Dinheiro nos pés

         Dez reais. Jonatas saiu de casa com R$10,00. Gastaria R$1,90 com passagem de ônibus, ida e volta; R$2,00 com um cachorro-quente e um refrigerante e R$0,50 com um sorvete de casquinha. Sobraria R$5,60, a ser usado no dia seguinte no mesmo itinerário, para receber seu seguro-desemprego.
         Sim, essa era uma boa conta. Afinal, era o que tinha, pensou, enquanto aguardava o ônibus para o centro da cidade, por volta das 10 horas da manhã, sentindo o sol tostar-lhe a pele e as primeiras gotas de suor empaparem sua camiseta e lustrando sua pele morena.
         Mas Jonatas estava feliz. Ao comer a casquinha, por volta das duas da tarde, percebeu que gastava exatamente aquilo que previa. Nada mais. Apenas estava sentindo-se um pouco gordo. Afora isso, tudo era motivo para alegria, menos seus pés, que doíam devido ao calçado de solado gasto.
         Olhou, ávido, para os tênis expostos em um pano de camelô.
         — Quanto custa? — perguntou Jonatas.
        — Barbada: R$8,00 — respondeu, um negro magro de cabelos loiros encaracolados, óculos escuros e camiseta regata. Jonatas experimentou o calçado e gostou. Porém não tinha R$8,00, apenas R$6,00. Não podia gastá-los, senão não teria o suficiente para voltar para casa e sair no dia seguinte.
        — Obrigado. Venho outra ora — respondeu Jonatas.
        — Não, cara — interpelou o vendedor. — Eu te faço um desconto. Fica por R$7,00.
        — Não, obrigado, não tenho esse dinheiro.
        — Quanto você tem?
        Jonatas pensou. Dificilmente agüentaria caminhar mais com o seu calçado gasto. Decidiu:
        — Tenho R$6,00.
        — Fechado. Pode levar.
        — Obrigado. Posso pô-lo aqui?
        — Claro, mano.
        Sentiu-se melhor com aquele tênis. E conformou-se em voltar para casa à pé. No dia seguinte, teria que arranjar dinheiro emprestado para buscar o seguro-desemprego. No meio do caminho não foi assaltado, não morreu atropelado, não foi ferido e nem encontrou o amor da sua vida. Apenas chegou em casa, com os pés doloridos, claro, como se ainda estivesse com o calçado de solado gasto.
        Aí percebeu que não o calçado não era duro, e sim sua vida de pobre.
        Fazer o quê? Drama pode ser até pé doído, furúnculo ou hemorróides. Todavia sempre há um drama na vida de algum pobre. E poucas preocupações para quem é nobre.

Leandro Dóro


 
 

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