DIZ XIS

1.

A mulher da portaria avisa que me trocou de quarto. Tomei um banho e liguei a tv. A cena em close não era muito explícita — peguei o filme começado. Vá alguém entender porque filme pornô  me faz pensar em minha morte.
A maneira mais recorrente é ganhar uma bala perdida na cabeça. Meu corpo espatifado no chão após um vôo por vinte andares. Um eu barbado com o cano de uma espingarda na boca. Cirrose hepática. Eu nu no caixão, sorrindo. Garrafões de vinho no meu velório. Música, um samba-canção na vizinhança, alheio ao evento. Uns maconheiros da velha guarda. Antigas namoradas e amantes desesperadas, para dar um clima romântico. Depois do enterro, as pessoas dançando na rua, cantando. Lágrimas molhando o calçamento irregular de minha terra. Que as crianças corram pelo cemitério, poetas recitando versos ao pé da cova. Marquinhos e seu sorriso macabro, Zé Alexandre com uma mecha de cabelo sobre os óculos, Leila saltitando feito uma ninfa endiabrada, o Mário com um soneto repleto de aliterações, Byu lendo um longo e outonal Neruda, Serjão ecoando seu vozeirão entre as lápides frias... Só de pensar nesses malucos em torno de minha cova, fazendo essa festa toda, me arrependo de ter morrido! E depois, uma cervejada no Márcio, até alta madrugada, quando alguém, copo na mão e cigarro na outra, olhos quase fechados, pergunte: “que porra a gente tá comemorando?” E quase ninguém saberá a resposta.

Sérgio  Fantini


 
 

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