Três metros e
quarenta e dois centímetros. Sobre aqueles números seus pensamentos
insistiam em pousar, condicionando-o a se tornar um ser obcecado pela realização
de um objetivo. A haste já estava posicionada, 3,42 m acima do solo
– que, observação absolutamente descartável, situava-se
ao nível do mar.
Seus olhos transmitiam
a seu cérebro algumas imagens que propiciavam momentos de reflexão.
Observava a haste horizontal, sustentada por duas verticais, que representava
seu objetivo. Observava o céu, que, naquele instante, não
representava nada. Observava milhares de pessoas admiradoras do esporte,
que representavam uma das razões pelas quais competia. Fechava os
olhos e observava seus patrocinadores, outra das razões pelas quais
competia.
“É agora! Preciso
fazer o melhor que posso! Todos esperam que eu pule mais alto do que a
altura em que está situada essa maldita haste! E eu pularei!”.
Estava completamente
entregue àquela emoção. O mundo se resumia em uma
haste. Um simples pau, nome que tantas vezes havia servido para designar
uma parte do cenário natural, que jamais fora associada em sua vida
a qualquer situação desafiadora – exceto quando a palavra
foi utilizada num sentido conotativo, numa noite da qual ele e sua companheira
preferem não recordarem-se -, era agora motivo de temor. Ele pensava
nisso.
Pensava nisso sim.
Mas seus pensamentos eram poucos raios de uma estrela hipotética
chamada razão, que, ao contrário do que ocorria costumeiramente,
naquela hora não estava guiando sua vida. Quem o guiava eram a emoção
oriunda daquele ambiente, a pressão dos patrocinadores presente
em suas lembranças, a esperança dos torcedores entusiasmados
com a possibilidade iminente da quebra de um recorde, entre diversos outros
astros de brilho genericamente insignificante, porém provisioramente
reluzentes ao extremo.
Ouviu vaias. Continuou
parado. Então escutou vaias. Percebeu que estava demorando demais.
Resolveu correr. Havia chegado o momento. Em segundos seria definido o
caminho que sua vida iria percorrer, De um lado, havia o sucesso, do outro,
o fracasso. Deixou seu instinto dominar inteiramente seu corpo e percorreu
o curso que levava ao local do salto.
Saltou. Como nunca
havia saltado antes, saltou. Ultrapassou, com uma margem de aproximadamente
dois metros e quarenta e oito centímetros a haste, que estava situada
a três metros e quarenta e dois centímetros do solo. Saturou-se
de alegria. Uma alegria contagiante, que trazia consigo o orgulho pessoal.
Uma alegria relaxante, que chutava para longe as pressões. Uma alegria
sufocante, literal e inexplicavelmente. Não conseguia mais respirar.
Sabia que estava morrendo, mas estava feliz. Havia atingido seu objetivo.
Agora seus patrocinadores
estavam satisfeitos, poderiam utilizar a imagem da vitória aliada
à raça daquele atleta para melhor vender seus produtos. Os
torcedores estavam orgulhosos por terem presenciado um dos mais emocionantes
acontecimentos da história do esporte. Seu ego estava contente,
por ele ter conseguido transpor aquela haste desafiadora.
E ele havia falecido,
estava condenado a desaparecer gradativamente pela ação do
tempo. Sofria as conseqüências de um pedaço de pau indefeso,
porém absurdamente fortalecido pelo orgulho, pelo excesso de cobranças
e pelos desafios, talvez inutilmente, impostos pelo homem.
Bruno Bracco