Fruto Proibido

                Ele passou do outro lado da rua e eu soube que estava perdida.

               Nunca mais teria paz.

               Estava enredada nos fios dos seus cabelos, nos pelos do seu corpo, na carne dura de suas pernas fortes.

                E nem é bonito. Não, decididamente, quase feio, com vincos ao redor da boca, o rosto magro e moreno
demais, a pele esburacada.

               Ah!... se eu pudesse beijar cada um daqueles sulcos, daquelas dobras, daqueles buracos negros e me
perder de vez no universo sem estrelas dessa paixão.

               Que coisa mais maluca!... Nem sei o nome dele!...

               Que importam nomes e detalhes!... Quero apenas detalhes do seu corpo, quero ferir esta carne que me
entontece. Aparecer marcada no seu desejo.

               Um homem qualquer. Comum. Quase feio.

               Banal.

               Mas quando passa, o coração desfeito prega peças. A boca seca. O sexo geme desejando o encontro.

               Ele me olha e seu olhar me vê.

               Vê meu querer que come seu traçado. Que se enfeita pra ele, que o aprisiona.

               Mas não percebe a fome e some e some

               E some na multidão.

               Porque seu corpo não sente meus sinais?

               Ando pela rua perdida. Condenada.

               Nada mais me distrai. Esqueço o gato. Mal afago o cachorro. Digo não ao marido. Desfeiteio os filhos. A
comida queima. O leite seca.

               E o sol não tem calor.

               Não consigo pensar senão naquele corpo que me escapa.

               Todo  dia refaço o trajeto para o encontrar cotidiano.

               Nele me entrego e tomo seu olhar de assalto e percorro seu corpo comum e o possuo sem medo e sem
regras.

               Só que ele nem percebe.

               Não sabe que esse coito perverso é meu segredo. Que é meu amante muito além do imaginável. E que
fazemos coisas sujas e tremendas. E me lambuzo no seu mel, abro meu corpo para ele em trevas de paixão. Que
mordo, arranho, desfaleço mil vezes no seu peito em chamas. E ele me guarda em si como um facão.

               Mas passa indiferente sem saber.

               Que nos amamos tanto e tão profundamente. E um dia o que era verde amadurecerá.

               Quando o fruto já podre irá cair, se afundando na lama do banal.

               Tarde demais, amor. Perdeste o tempo da colheita.

               E o prometido se estragou.

Maria Helena Bandeira


 
 

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