FIM DE CASO

A flor de maracujá, com as pétalas de um vermelho delirante, é retirada do pequeno vaso. Cola-a às narinas. Não sente o perfume. Os olhos negros fulminam a água trêmula no copo que serve de vaso, cheio até a metade. Poderia jogá-la na cara do amante, evitando ouvir suas súplicas. Está cansada das mesmas frases feitas, dos lamentáveis clichês existenciais. Os homens são formados numa única e tradicional escola de cinismo. É o que pensa, e deveria soltar o verbo, mas não está disposta a mais uma batalha inútil. É uma mulher de 32 anos, não aceita ser ludibriada. É com esta consciência de honestidade que optou por não casar-se. Teve uma série de amantes de relacionamentos por assim dizer, duradouros. Nunca foi mantida por nenhum deles, tem a sua profissão, o seu carro novo, o seu apartamento elegante, paga as suas contas  e viaja todos os anos à Europa. Sim, aceitou presentes valiosos, mas por que não aceitá-los? Desconfia imediatamente daqueles que falam com carinho da esposa e dos filhos. São completamente canastrões, insossos. Também evita os que dizem passar por uma crise, que estão à beira do divórcio, que a mulher é uma vaca. Esses são os piores, não respeitam nem a fêmea domesticada que leva o seu sobrenome nem a outra, a suposta concubina preparada para maior facilidade e felicidade. Prefere os homens que não comentam a sua vida dupla, namorando-a como se o instante fosse único, só deles, sem promessas, sem lamúria. Conheceu Petrônio numa reunião empresarial e nos quatro meses seguintes não mais se largaram. Passaram finais de semana em João Pessoa, Recife e Salvador. Numa alegria acelerada, desta espécie de frêmito onde o espanto se mistura à ternura. Na noite de ontem, de volta para casa, ela estava parada no sinal quando um carro prata colou ao lado do carro dela. Mesmo com os vidros fechados, ouviu o som de vozes nervosas, uma briga. Olhou para o lado e viu o seu amante, enfurecido, com uma bela loura. Eles falavam alto, com grande irritação, e ela pareceu ouvir a mulher chamá-lo de “maldito-traidor-filho-da-puta”. O sinal não abria. Examinou sua situação. Havia um carro na frente e ela não teria como arrancar, cometer uma infração de trânsito para o seu bem emocional. Os gritos continuaram, grotescos. Ela queria abraçá-lo, ajudá-lo, sabia que discutiam sobre o romance fora de casa. Nesse momento, os olhos deles se encontraram, Petrônio empalideceu, o sinal abriu, e a mulher abandonou o carro dele. Buzinaram atrás dela. Tudo muito rápido. Ela partiu emocionada, guiada pelo coração. Não sabia para onde ia, como acontecia muitas vezes que perdia o controle emocional – mas não se assustava e nem se precipitava com os sentimentos inquietos. As emoções passam na dilatada paciência do tempo. A noite se desenvolveu cheia de lentidão, espreguiçando ao sonambulismo da incerteza. As sombras na parede e a música de Zizi Possi na FM delatavam uma medida de importância. Quando Petrônio telefonou, ela sabia que não havia solução para os dois. Neste momento, sentada na mesa do restaurante de primeira qualidade não ouve o que ele diz. Suas palavras são importantes e sinceras? Claro que não. Os olhos do amante cheios de lágrimas não comovem-na. Quer acabar o caso? Não tem importância nenhuma. Que fique com a loura de farmácia, escandalosa, bruta, lutando grosseiramente pelo seu matrimônio. Esmaga a flor de maracujá e atira-a, sem piedade, no cinzeiro. O garçom enche a taça de vinho. Ela bebe-o de um só gole, levanta-se, e atravessa o salão dourado em direção ao estacionamento, indiferente às lamentações melodramáticas dele. Antes de ligar o carro, olha-se no espelho. O batom não está bem. Retoca os lábios e segue a avenida envelhecida. Ele está morto para ela. No entanto, quanto dela mesmo está encerrado nesse amor incompleto – que penosos combates para sobreviver “ao que não diz mais nada”!

Antonio Júnior


 
 

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