Como poderia receber Helena se diante dela eu não podia tocá-la? Foi nessa situação estranha que convivi com um tipo de amor que relembro com saudades. Helena não podia deixar o quarto não podia entrar em contato com bactérias e germes simples que estão ao nosso redor todo o tempo. Assim ela me ensinou que o olhar é mais profundo do que parece e que é possível se tocar com a alma. Helena escrevia longas cartas e vertiginosos poemas que lia para mim através do vidro com a sua voz linda e que o mundo decidiu prender. Seria tão bela assim que deixaria pássaros mudos? Ela também cantava e dançava levemente naquele ponto de móveis brancos e almofadas lisas e fofas como um quarto no alto do céu como um quarto de querubim flutuante. Helena com sua pele alva suas roupas impecavelmente limpas e os olhos vivos inquestionavelmente belos sua boca vermelha e cabelos soltos leves envolventes como os seus sorrisos. Nós inventávamos brincadeiras e eu tentava passar para ela a sensação do tato que se tem quando se toca uma asa de pássaro ou o dorso de um gato ou a aspereza da minha barba adolescente quando esquecia de fazê-la. Então as asas dos pássaros de Helena tinham a constituição de folhas de alface a almofada coberta com uma blusa fazia-se de corpo de um gato e os rabanetes cortados extremamente finos eram claras borboletas. E ela os admirava e ela dava movimentos a eles e a cada dia suas poesias e seus textos ganhavam incrivelmente mais vida e mais realidade. Helena extraía e tentava decifrar o mundo através dos professores e dos livros e dos meus casos e relatos de coisas do cotidiano e assuntos que só falávamos quando estávamos sozinhos. Ela já estava com dezesseis anos.
Havíamos nos beijado várias vezes tendo a lâmina fria do vidro nos mantendo distantes como fosse uma cortina de gelo inquebrável. Ela sussurrava, pois o vidro embaçava e ela perguntava se era quente qual era o gosto e por que ela sabia que seria tão bom mesmo nada sentindo...
Helena partiu para o exterior num domingo à tarde. O tratamento deveria continuar lá e lá ela ficou. Casou-se com um dos médicos que a curaram e sei que tem duas filhas saudáveis e sapecas, que Helena deve entreter fazendo pássaros leves com alface tenra e borboletas suaves com rabanetes e translúcidas como o rosto de um anjo que um dia pensei ter e que nunca sequer toquei.
Carlos Edu