Joana passou duas semanas chorando. Uma voz ecoava em seus ouvidos feito papagaio: “homem é tudo igual...” Rita, que havia passado por uma situação parecida, tentou consolar a amiga. Pegou um baralho que havia sobre a mesa e virou um valete de copas.
“Doença no coração!” disse Rita.
Não precisava nem falar. Desde o sumiço do namorado, um fantasma perseguia Joana, um azedo maltratava-lhe o coração.
Rita tirou uma segunda carta.
Era uma dama de paus.
“Suicídio!” disse Rita.
Joana sentiu um tranco. Aquelas semanas tinham se transformado mesmo num suicídio. Estava viva por fora, mas vinha morrendo por dentro.
Rita puxou uma terceira carta. Abriu espaço entre as duas anteriores e colocou-a no meio, velada.
“A vida, Joana, é uma porta!” disse Rita
Depois jogou uma brilhantina dourada sobre Joana e completou:
“Quem irá lhe mostrar a terceira carta, é ela.”
“Dever ser a morte!” pensou Joana.
Certo tarde, sozinha, Joana começou a andar de um lado para o outro da pensão. A solidão era um zagueiro implacável. Não sabia como driblá-la. Ficar sem nenhuma presença ao alcance, era como se aproximar de um aspirador. Além do pulsar do próprio, Joana precisava de outros pulsares.
Entrou no quarto de Rita e quando acendeu a luz, deu de cara uma vitrolinha. Notou uma pilha de discos em baixo da penteadeira. Movendo-se em silêncio, foi até a pilha de discos e pegou um ao acaso.
A capa do disco estava tão empoeirada que o cantor da foto mal conseguia respirar. Joana pegou o fio e ligou na tomada. Depois tirou o disco da capa; deitou-o sobre a cama giratória e soltou a bailarina para patinar sobre o vinil.
Ficou esperando o desabrochar do som como quem aguarda o nascer do sol. Então, naqueles breves segundos de ruído, enquanto a agulha deslizava sobre o pátio negro, prestes a alcançar a musica, fechou os olhos e vagou no breu.
“Eu te amo!” disse a primeira estrofe da música.
Sobre a penteadeira, entre o valete de copas e dama de Paus, havia um curinga.
Marcelo Ferrari