A última vitória do velho general

          Quando Antônio Demiogo nasceu o busto de cobre de seu avô materno famoso — general Faustino Crescêncio — habitava havia três anos um canto escuro do apartamento de sua mãe Jovina Crescêncio.

         O velho fora eficiente general da Guarda Nacional e vencedor de importantes batalhas, como assinalam as antologias militares.

         Antônio não viu, mas quando ele veio ao mundo — sua mãe contou-lhe depois — o velho tinha um ar feliz pela chegada de um descendente varão que poderia dar seqüência à trajetória de glória da família iniciada por ele. Por conta disso, Antônio foi preparado desde pequeno para a Academia Militar, mas não honrou o passado do avô: terminou advogado.

         Ainda em tempos de criança as divergências entre Antônio e o avô — ou melhor, o busto do velho guerreiro — preconizavam o destino vário do infante. Sua mãe relatou-lhe também que, ainda pequeno, Antônio desafiava o velho com palavras incompreensíveis e gestos desabonadores, como a debochar da galhardia de outrora que o general não mais conservava, empoeirado e imóvel em um canto escuro da sala. Às vezes servia de cabide para guarda-pós e chapéus de visitantes. E por certo o menino intuía que ser militar era merecer tal sorte.

        Até Antônio esquecer o avô nos primeiros anos da puberdade, contava Jovina Crescêncio, o rosto de Faustino carregou um semblante infeliz jamais visto em sua carreira de general invicto.

        Antônio esqueceu o velho definitivamente quando se mudou para a capital para seguir carreira de bacharel. Por lá ficou quarenta anos; nas rápidas viagens de visita a sua mãe jamais tornou a ver a efígie do velho general em guarda: ele azinhavrava no porão cercado por quinquilharias de toda espécie, que eram como batalhões inimigos fustigando-o sem descanso; maior desgosto davam-lhe as aranhas, imobilizando-o moralmente com suas teias, o que jamais um movimento de tropas inimigas conseguiu lograr.

        Cinco anos se passaram, e, pressentindo a morte próxima, como a expiar uma culpa, Jovina resgatou o busto cansado do porão e restituiu-o ao pedestal. Pôde então morrer em paz.

        Antônio voltou à cidade para posse do espólio e habitou a mesma casa de sua mãe. Não se incomodou com o velho general ali à sala, olhar sisudo e reprochante nos dez anos que morou na casa. Até foi versátil na utilização da estátua: era perfeito cabide para guarda-pós e chapéus, como nos tempos de sua mãe.

        Mais uma vez Antônio não viu, ninguém talvez percebeu. Se sua mãe vivesse, por certo teria percebido que o velho general voltou a sorrir afinal, sentindo-se vingado, quando o neto morreu e durante o velório, realizado à sua frente, os presentes conversavam, bebiam e sorriam indiferentes ao morto.

jjLeandro


 
 

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