GLÓRIA GOZO

Aqui dou fé de meu testemunho e digo que ele é de palavra fiel e verdadeira.  Podem confiar, não sou mulher de contar lorota, até já fui, mas hoje não sou mais, graças a Ela! Pra mim Ela era um anjo, desses que descem à terra pra testar as índoles, pra deixar bem claro pro Senhor quem é quem nessa vida. Pois sou devota de Glória Gozo, sou devota com muito orgulho! Acendo vela, dou beijinho em santinho, faço promessa e sou atendida, mas a bênção maior que a Glória me concedeu foi em vida, amém!

Tudo começou quando uma cigana muito bonita chegou a nossa cidadezinha de Patiqua e armou uma tenda de pano azul celeste, estampada com brilhos e estrelas, bem no meio da praça central. Ela, uma moça morena, não muito alta, de cabelos negros cacheados, chamava a atenção pela graça e beleza. Vestia-se com vestido vermelho, usando suas muitas pulseiras e pingentes de lua e sol, sorriso alegre, olhos brilhantes, pés descalços. Sempre achei encantadora a forma como Ela chamava os passantes. Jamais se aproximava, quanto mais puxava a roupa de alguém, não, nada disso. Simplesmente sorria, um sorriso amoroso, com uma aura que já denunciava sua natureza divina, e fazia um amplo e suave gesto, apontando para o interior da tenda, curvando o corpo em deferência, como a gente vê os artistas fazerem no final do espetáculo, em agradecimento as palmas, pois assim Ela fazia. No início ninguém ousava se aproximar. Só se ouvia as línguas maledicentes desse nosso povo, falando como víboras, só destilando veneno. Naquela época já diziam, antes mesmo de conhecê-La, que era mulher do mal, prostituta, ladra,mentirosa, seqüestradora de criancinhas e por esse rio de injúria e estupidez iam afogando qualquer bondade em seus corações.

Infelizmente padre Anito, embora hoje convertido e arrependido, também contribuiu com essa insensatez, orientando as famílias do rebanho a manterem distância da cigana morena, como a chamava. As mães puxavam seus filhos para longe d’Ela, mas as criancinhas insistiam em corresponder ao sorriso luminoso de Glória, sem nenhum medo, atraídas pela luz divina que os adultos não enxergam mais, pelo menos não com a mesma facilidade. Então, finalmente, uma mulher atormentada e sofrida viu em Glória esperança e cruzou o gramado até a tenda azul-estrelada, afrontando a todos, ao padre e aos maldosos.

A mulher, como muitos sabem, era Sandra Maria, a esposa do Coronel Figueira. Sandra Maria foi a primeira a ter a honra de adentrar a tenda e deparou-se com uma sala de tecido aconchegante, um mimoso baú de madeira e meia dúzia de lustrosas almofadas de cetim, nada mais. Glória e Sandra acomodaram-se sobre as almofadas, e muito timidamente, Sandra Maria pediu que Glória lesse o seu futuro. "Que futuro você quer ter?" - essa foi a resposta de Glória e prosseguiram conversando o resto da tarde, até quando a noite principiou a cair. Foi o primeiro milagre. Sandra Maria emergiu da tenda outra mulher. Não que tivesse sucedido uma reviravolta mágica em seu corpo ou uma ruptura abrupta em sua alma, mas havia, isso sim, ocorrido um milagre da natureza em seu ser. Como quando se tem uma semente guardada por anos numa caixa selada e, de repente, se abre a caixa e se lança a semente no solo fértil e ela brota e nasce e, não tardando, dá saborosos frutos. Pois foi um milagre mais ou menos dessa ordem que sucedeu a Sandra Maria, um milagre de renascimento.

Naquele mesmo dia, Sandra chegou em casa e foi direto trancar-se em seu quarto. Estendeu-se na cama e pôs-se a explorar, delicada e meigamente, a flor celeste entre suas pernas. Pela primeira vez na vida gozou, a princípio
sozinha, chorando de alegria, em puro êxtase. Como a alegria fosse muita, e mal se continha de um desfalecimento orgástico, chamou coronel Figueira e contou-lhe a boa nova, voz embargada, dizendo apenas que havia sentido um novo mundo, e lhe dando beijinhos lascivos e carinhosos, foi conduzindo o marido para a cama, onde gozou novamente, não sem gemidos e movimentos derretidos de prazer.

O coronel, muito conservador, que sempre fizera tudo do mesmo jeito, assustou-se muitíssimo com a nova mulher, cheia de exuberância, que agora dormia profundamente, entregue e cansada, sobre seu peito. Ao mesmo tempo
maravilhado e horrorizado, coronel Figueira imaginou toda sorte de justificativa para tal mudança de Sandra Maria, sua esposa, sendo que a justificativa que lhe parecia mais convincente era a de que se fizera corno, e que vinha sendo traído, substituído por homem mais bem dotado e capaz, a ponto de a mulher ter aprendido toda sorte de delícias conjugais. O pobre coitado passou a noite em claro, angustiado, dividido entre matar a mulher ou amá-la mais uma vez. Acabou acordando Sandra Maria as cinco da manhã, para sentir suas curvas femininas, que agora estavam mais vivas e quentes do que nunca. Só levantaram da cama quando o sol já ia alto.

Então, Sandra Maria começou a pregação. Falou a todos sobre Glória, a mulher da tenda das estrelas, a mulher que lhe mostrara uma luz, e de como gozara lânguida e generosamente na noite bem dormida. E de boca em boca a cigana morena começou a ser chamada pelo povo de Glória Gozo - a padroeira das frígidas - a medida que mais e mais mulheres começavam a procurá-la e não voltavam à tenda sem uma palavra de graças e uma aleluia. Em pouco tempo era preciso entrar numa fila para falar com Glória e espontaneamente surgiam voluntários que ajudavam a manter um mínimo de ordem na praça pública. E não somente mulheres a procuravam, mas alguns homens também e um, dentre estes, foi padre Anito, que veio ver que obra era aquela que Glória Gozo vinha fazendo. Padre Anito saiu da tenda erguendo as mãos para os céus e dizendo repetidas vezes "Bendita sois, Glória Gozo, dentre as mulheres!"; e enquanto ia repetindo, ia abençoando a multidão ali presente, que eufórica diante da evidente aprovação dele, gritava felizes e emocionados aleluias. As más línguas dizem que ele deixou a batina depois de receber a luz de Glória, porque também ele teria desfrutado a bênção do gozo. Mas essa não é bem a verdade, como ainda terei a oportunidade de lhes contar.

O fato é que nem todo mundo gostava de Glória, ao contrário, ao passo que muitos a amavam, tantos outros nutriam ódio e rancor por Ela. Mesmo o coronel Figueira, apesar do encantamento que sentira por sua esposa, nãosuportou vê-la tão feliz. Disse que ela estava muito autoconfiante e dona de si, e isso não era boa coisa, pois era o homem que devia chefiar a casa e conduzir as coisas do jeito que gostava e aprovava. Queria a esposa obediente aos seus rotineiros desejos. Acabaram separando-se, não porque Sandra quisesse a separação, mas porque o Coronel não suportou a sua felicidade.

Foi mais ou menos nessa época, logo após o coronel Figueira e Sandra Maria romperem o casório, que iniciaram os levantes contra a fé em Glória: os maridos começaram a trancar as esposas em casa, salvo uns poucos, que
compartilhavam com elas ainda maior plenitude; padre Anito desapareceu, não deixou a batina, mas foi transferido de paróquia, da noite para o dia, sem sequer poder despedir-se do rebanho; um grupo de encapuzados queimou a tenda azul-estrelada, mas no outro dia a tenda estava no mesmo lugar, linda como o céu. Glória tinha mais de um tecido guardado no baú que não queimou. Assim a perseguição contra os crentes foi crescendo e ficando mais cruel e acirrada. Mas Glória permanecia serena e intocada, apenas dizendo que quando chegasse a hora partiria.

Foi encontrada morta numa manhã, dormindo feito anjo. Um furo no peito, nem sangue havia. Nós, os fiéis, a abraçamos e enrolamos no tecido de estrelas; derramamos óleo perfumado em seus pés, pois a dor era tanta que queríamos que Ela sentisse todo o nosso amor, com o Santo óleo que ela nos fornecia. Agora a dor do luto já não é a mesma porque sabemos que Glória Gozo vive e que sua obra continua. Criamos o seu santuário Sagrado em Patiqua e muitos outros foram erguidos em sua homenagem por todo lugar.

Escrevo esse testemunho para agradecer a bênção do gozo, que recebi com muita alegria depois de ter aprendido alguns de seus ensinamentos. Publico esse testemunho em pagamento de promessa e dou graças a Glória Gozo pela libertação que me proporcionou. Amém! Convido você a conhecer também os caminhos de GG. Se desejar se comunicar com os seguidores de Glória Gozo,  escreva para gloriagozo@bol.com.br - Patiqua.

Nota da autora: o e-mail indicado no texto é verdadeiro e funcional, permitindo interação do leitor com os personagens do conto.

Marta Rolim


 
 

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