O adeus de Ailis

Ruas limpas, muitas árvores e flores, parques, fontes e um grande lago artificial. Ailis era uma cidade tranqüila, daquelas em que o tempo parece passar lentamente.
Seu traçado era moderno, “futurista”, como gostavam de dizer os moradores. Ailis parecia mesmo um cartão postal. Mas sua beleza era estranha. Muitos a achavam feia e havia até mesmo quem a detestasse. Assemelhava-se a uma mulher inacessível, esnobe, fria. Suas largas avenidas, suas quadras que mais pareciam condomínios fechados e seu horizonte amplo davam essa impressão. Também era comparada a uma estação orbital, perdida em algum planeta distante.
Não havia grandes prédios, como nas metrópoles, mas sim imensos espaços vazios. Até podia-se ouvir o vento nesses desertos de barro vermelho e árvores retorcidas.
O clima era seco, nada de mar, nada de brisa. Ailis parecia indestrutível, sólida, protegida e conservada por essa secura, por essa distância do mar e seus imprevistos.
Nos dias mais quentes, a cidade ficava sem cor, sem viço, com a pele enrugada. E quando chovia, era como se uma tristeza profunda se abatesse sobre Ailis. Tornava-se cinzenta, amarga. Mas na primavera parecia que a cidade se olhava no espelho e se achava a mais bela de todas, escovando seus longos cabelos, passando batom vermelho vivo, perfumando-se, dizendo baixinho: “é bom estar viva”.
Ailis tinha esses caprichos de mulher. Quase sempre indiferente, arrogante, mas às vezes mudava por completo, e mal a reconhecíamos.
Os moradores eram pacatos, muitos vindo de outros lugares, atraídos por oportunidades e pelas promessas que Ailis parecia sussurrar aos ouvidos. Para quem gosta de tranqüilidade e sossego, Ailis era mesmo um paraíso. Dos apartamentos sentia-se uma grande calma e uma mansidão quase corpórea. Via-se poucos carros, quase ninguém nas ruas. Era como se não houvesse uma realidade lá fora.
Ailis dava a impressão de estar sempre deitada, não apenas por ser reta, plana. Parecia querer dormir dia e noite, apenas esquecer, não-ser, sonhar, livrar-se das amarras do tempo. Até que finalmente conseguiu...
Não se sabe exatamente a partir de quando, em que dia ou mês. O certo é que a cidade começou a desaparecer. Foi ficando transparente, irreal, exatamente como um sonho. Os prédios, as casas, os moradores, as árvores, as flores, as fontes e o lago foram perdendo a nitidez, como uma miragem no deserto, que de repente desaparece entre as dunas.
Ailis sumiu completamente durante um apocalíptico pôr-do-sol, de tons violetas, rosas e azulados. Nada restou da cidade, apenas nuvens de poeira e dois grandes riscos fundos no chão em forma de uma cruz, que nunca se apagou.

Ricardo Borges


 
 

« Voltar