Uma mulher caminha nua pelo quarto. Passa óleo no corpo. Perfume atrás da orelha. Abre uma caixinha de música: uma bailarina dança ao som de “Sonata em Lá maior” de Mozart enquanto ela põe o brinco e se veste caprichosamente. Fecha todos os colchetes, abotoa as sandálias, despede-se do urso de pelúcia e sai.
Uma mulher é feita de todos esses pequenos mistérios. Esconde a intimidade, os sonhos, as palavras e os sentimentos. Uma mulher é tão secreta quanto uma estrela. E joga o cabelo para trás e diz “com certeza”, “muito bem”, “que ótimo!” e entre todas essas palavras escorregadias, um desejo de ser desvendada, caçada feito animal arisco.
Uma mulher luta muito para ser mulher num espaço onde os homens estão em transição. Que importa? A Mulher se adapta a todas as circunstâncias. E se aporta no meio da noite. Tenta ser comum. Finge acreditar na teoria de que a vida é assim, vivida aos poucos. Então fuma um cigarro vagarosamente. Um, depois outro... Que impaciência! Na verdade gostaria de engolir a vida num só trago num só grito de loba que também sabe caçar e que depois poderia até morrer num orgasmo bem-aventurado. Mas se contem. Tem uma mola mecânica por dentro que a impulsiona para longe e depois a traz de volta. Aí fica naquele estado de “quase”. Quase revelado, quase oculto, quase desespero... tateando as formas das palavras para ver um jeito de agrupá-las sem demonstrar perigo, sem assustar o caçador, porque no fundo ela é uma fera indomável. Sabe disso, mas finge que não sabe. Busca os vocábulos com significados filosóficos, nada que venha deixá-la à flor da pele! e discorre sobre as coisas que não tem explicação. Arte puramente feminina. O caçador está cada vez mais próximo. É atraído pelo cheiro. Os olhos faíscam na inquietude de conquistador. Tem o caráter do fogo. Tem tudo o que queima e arde. O nervo, o sangue, o medo de errar! A ansiedade contida em tudo. O fio da ação que pode ferir. É preciso ter jeito. Ela percebe, e por momentos o deixa confuso. Sai da mira dele, reage como se fosse fugir. Ele quer avançar, a hora escorre pelo corpo, não pode perder o instante nem a seqüência. Fica atento com olhos de lince e precisão de gato. Precisa arriscar a pele.
Ela se sente poderosa. Dona de toda sabedoria. Orgulha-se de ser mulher. Traz nos poros uma história secular. Anos e anos de exclusão, obscurantismo, anulação, ameaças... anos que esteve condicionada ao estreito das opções representadas pela vida doméstica e maternidade. Sua avó jamais pensaria em sentar-se sozinha numa mesa de bar e tomar um copo de cerveja. No entanto ela está ali percorrendo os próprios caminhos. E deixa pista para o caçador, usa artimanhas, estratégia de aranha que sutilmente tece uma armadilha onde ele se enrosca, se prende todo, e perde o rumo, e torna-se dependente, disposto a tudo que ela quiser, do jeito que ela quiser... é o dia da caça! Ela age, usa as armas que tem, manipula-as de um jeito desfraldado e destemido! Depois se cala e fica num canto qualquer, assustada como uma corsa.
Volta para casa pensativa. Sabe que não devia... tinha de ser mais contida, mais indefesa... Toma um banho, corta as cutículas, passa creme nos pés, enche a cama com bichinhos de pelúcia e dorme nua e indefesa igual a uma menina.
Lucilene Machado