para Raymond Carver
O rapaz é alto, um metro e noventa, branco, olhos verdes
e demonstra mais idade da que realmente tem. Há um traço
de astúcia, de destreza contida no seu rosto. É romeno, um
artista que fazia habilidades na corda em sua terra. Comunica-se misturando
espanhol com italiano, pois antes de morar em Madri vivera em Firenzi,
onde ganhava dinheiro contrabandeando pedras semi-preciosas. Parte da pequena
fortuna, mandou para a mulher e a filha de dois anos que nunca saíram
de Bucareste, e o resto gastou em cocaína. Denunciado, deixou a
Itália minutos antes de ser agarrado. Chegou ao centro madrilenho
sem nada nos bolsos, esfomeado, uma exaustão nervosa num corpo
de vinte e cinco anos. Durante meses prostituiu-se na Puerta del Sol, das
seis às oito da tarde, recebendo quatro mil pesetas por cliente.
Inicialmente encostava-se na entrada do metrô, sério, o cabelo
banhado de gel, esperando um convite, e com o tempo tornou-se voraz, laçando
rapidamente lamentáveis senhores. Conheceu Jorge numa dessas tardes
de caça, olhando-o como um gato ao desejar um rato, e passaram a
sair uma vez por semana. Um mês depois, ele prometeu ajudá-lo
a deixar aquela vida, poderiam morar juntos. O manso espanhol beira os
sessenta e cinco, os cabelos pintados de um negro graúna como o
Dirk Bogarde de Morte em Veneza, um corpo magro indolente e uma disciplina
rigorosa em relação à moral e aos bons-costumes –
ele sempre preservou as aparências. Casado, pai de uma menina de
catorze anos, viveu durante anos a dupla história de eficaz funcionário
público, marido dedicado & colecionador de “chulos” nos
finais de tardes. Cansado da repetição fatigante, resolveu
arriscar sua reputação com um novo e admirável
mundo. O romeno aceitou provar a vida em comum, fazer parte de um matrimônio
moderno abençoado pelas sociedades civilizadas. Não gosta
de homens, mas também não pensa um minuto sequer na mulher
e na filha que nem tem notícias. Jorge abandona a família,
deixando um apartamento confortável em Chamberí, para alugar
uma minúscula moradia em frente a uma igreja e, enquanto trabalha,
o amante dorme, vê televisão, joga no computador, vai ao ginásio,
recebe os colegas de profissão. Não é capaz de se
interessar por nada profundamente além dele próprio. O asfixiante
apartamento é triste, desorganizado e impessoal como um quarto de
pensão sem cuidados. A esposa colocou-o na justiça, reivindicando
uma alta pensão para a filha, e o manhoso funâmbulo sufoca-o
com pedidos constantes de roupas de marcas e férias em balneários
na moda. O empregado correto que vive como uma formiga, só esquece
a companheira de trinta anos que trocara por um estimado concubino, quando
deita-se, fecha os olhos e o estrangeiro de nome difícil, que sempre
esquece, joga a coxa pesada sobre seu corpo, dizendo antes de arrancar
a sua velha pijama de seda azul: “Minha mulherzinha, vem cá para
o seu homem”. Ansioso e senil, se aproxima da carne jovem e adormece.
Antonio Júnior