A QUIROMANTE

          Me senti tão estranha! Desci as escadas cambaleando, perdendo as referências. Na semana passada Marilu me chegou com a novidade: — Amiga, essa é muito boa. Lê além e através das mãos. Lê a alma. Parece que essa mulher andou me seguindo durante meses. Você tem que ir lá amiga! Quer o endereço?
          A sala recendia a incenso ordinário e mofo. A mesa redonda vestia uma toalha de renda amarelada pelo tempo. Um rádio antigo com um jarro de flores de plástico engorduradas chiava tons sertanejos. Na parede cor de rosa alguns quadros com fotos antigas cercados por gravuras coloridas de santos: São Jorge, Santo Antônio, Santa Teresinha, Cosme e Damião... Todos ali bem juntinhos sacramentando leituras de mão trinta e cinco reais o quarto de hora.
          Dona Zizinha me mandou sentar. Gorducha, baixinha, cabelos brancos amarelados como a toalha, tinha um sorriso espaçado pelos poucos dentes que lhe restavam. Pegou suavemente minhas mãos e começou a falar da minha vida. Ouvi tudo calada.
          Que alívio sair dali. Eu tão bem casada e adaptada ouvir esse monte de besteiras. Dizer que preciso me libertar, frequentar a vida... Imagine. Nem estou presa a nada. Gosto bem da minha vida. Sempre vou ao cinema com Olavo. Embora ele não goste do mesmo estilo que eu, até cede vez por outra. Teatro ele não gosta. Sempre dorme. Trabalha muito. Não posso exigir esse sacrifício também.
           Depois ela vem dizer que abandonei a música. Ora essa, estou sempre ouvindo a JB. Tá certo que não abri mais o piano. Ah, nem tenho idade e tempo pra isso. É um móvel tão bonito! Ficou enfeitando a sala. Além do mais Olavo não gosta de barulho quando está assistindo TV. Essa mulher não sabe de nada. Dizer que eu devia voltar a pintar pra abrir meus caminhos. Que a minha evolução espiritual depende da abertura desse triângulo da arte que vê na minha mão. Pintar pra que? Prá quem? Olavo mesmo diz: "se ainda desse algum dinheiro..."
            Tenho é que cuidar da minha saúde: A bronquite alérgica, a enxaqueca semanal, a coluna... Esse sim é um triângulo que preciso observar.
           Marilu que me desculpe mas vou procurar uma boa cartomante. Daquelas que falam verdades. Tenho um endereço quentíssimo.

Teresa Mello

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