LA NINFA

Os homens faziam fila na porta do quarto. Por vezes entravam dois, três...
No andar de baixo a festa rolava animada. Comida e bebida à vontade, o pessoal se agarrando...
— Cara, que fila é essa?
— Vai dizer que não sabe?
O garotão, com ar meio aparvalhado, fez que não com a cabeça.
— Uma ninfomaníaca! Você sabe o que é isso, né?
— Meu irmão me contou. Qué que tem?
— Tá lá dentro, com tudo que é homem. (risos)
— Não brinca, e é bonita?
— E precisa? (gargalhadas)

Gina já havia trepado com uns trinta homens. Bebera em demasia, fumara um baseado. Não se importava de bancar a puta para todos aqueles machos. Precisava disso. Tinha necessidade urgente de sexo! Chegara a um ponto em que nem mais se lavava, ficava assim mesmo esporrada e quem quisesse que fosse fundo. Alguns, enojados, serviam-se de sua boca. Ela não ligava...

Chegou em casa de manhã, praticamente expulsa da festa, desgrenhada, o vestido sujo e amarrotado. Ia direto para o banheiro, precisava tomar uma ducha, lavar a cabeça, tirar aquele cheiro do corpo. No caminho parou no escritório. Ele estava lá digitando no computador. Nem levantou a cabeça, já estava acostumado... Uma onda de raiva incontida a fez ir até ele.
— Bom dia. Trabalhando muito? — Dedos velozes percorriam o teclado, cabeça esticada pra melhor ler o texto.
— Tô falando contigo, porra! — O homem nem se mexeu, continuou digitando sem vê-la.
— Marcelo, quero falar contigo! — Agora ela avançava tentando desviar-lhe as mãos do teclado.
— Sai já daqui sua vaca escrota! Filha da puta! — Ela riu, satisfeita. Tinha conseguido uma reação.

Não se viram até o meio da tarde, quando acordou. Como sempre acontecia após esses excessos sexuais, sentia-se envergonhada e arrependida. Ia procurá-lo, então, com a desculpa de irem ao cinema ou mesmo jantar fora. Só aí viu o quarto desarrumado, roupas espalhadas, faltava uma mala... Saiu correndo, nua mesmo.
— Ele não pode me deixar - pensava, fazemos parte um do outro! Encontrou-o no escritório recolhendo alguns livros, a mala ao lado.
— Por favor, não faz isso! Não me deixa! - Correu pra ele soluçando, os cabelos castanhos molhados. Marcelo olhou-a através dos óculos. Olhar grave, severo; meditava:
— Não dá mais, não posso viver ao lado desse demônio, vamos acabar nos matando. E em voz alta: — Olha, não há nada que eu diga que você desconheça. Já vimos esse filme muitas vezes. Não quero brigas, tô levando o necessário. Volto depois, quando você estiver trabalhando, para buscar o resto. Não é muita coisa.
— Não faz isso comigo — implorava a mulher, agora de joelhos. Não era feia, tinha um corpo bem tratado, embora não fosse criança. Sua voz denotava desespero e esticava os braços, suplicante.
Marcelo era um homem comum, estatura média, mais para magro. Usava óculos de grau e cabelo curto.
— Deus — pensou ele, vai começar tudo de novo! Eu simplesmente não agüento!
Sentou-se à mesa, acendeu um cigarro e quedou-se olhando-a. Depois de um certo tempo (para ela, uma enormidade), falou:
— Gina, você sabe que não dá. É impossível continuar desse jeito, já conversamos a respeito.
— Você não me entende, porra! Não vê porquê eu faço isso?
Parecia uma fera acuada. Levantara-se rapidamente e estava tão próxima que ele podia ver-lhe os pelos pubianos, ainda úmidos. Olhou-a toda. Sentiu uma pontada de desejo, que, rápida, esmaeceu.
— Só faltava isso, pensou, amargurado - Em seguida, abaixou a cabeça.
A mulher interpretou o gesto como uma fraqueza e com voz rouca tomou-lhe as mãos:
— Te amo, murmurou.
— Pára com isso!
— Mas eu te amo de verdade! Você conhece meu sofrimento. Não é possível que não entenda. Eu te falei, lembra?
Ele não respondeu, ficou apenas olhando-a . Dizer o quê? Que ambos se amavam e se odiavam compulsivamente? Que ela era ninfomaníaca e ele homossexual?
— Você sabia da verdade, não omiti nada.
—Nenhum detalhe — respondeu, rancorosa. Lembrava-se dele contando-lhe a respeito das pegações na sauna. Da caça a outro macho, quando estava faminto. Faminto de homem!!! Da ambivalência e da dicotomia de sua personalidade. Odiava-o! Amava-o!
— Não há saída para nós, não vê? — Marcelo falava baixo, sem raiva. Sua voz era quase uma carícia.
— Mas você me ama!
— Muito!
— E me deseja!
— Às vezes.
Foi a vez dela abaixar a cabeça, humilhada. Chorava baixinho. Marcelo olhou-a com pena. Puxou-a para si. Como uma criança, Gina sentou-se em seu colo toda encolhida. Encostou, delicadamente, a face molhada naquele rosto em que a barba apontava. Ficaram por um tempo nessa posição.
— Reconheço teu sofrimento, me perdoa — beijou-a de leve no rosto.
Beijou mais uma vez. As lágrimas o emocionavam. Sempre fora assim... Ela deixava-se ficar naquela posição, passiva, recebendo seus carinhos. Essa era a parte que mais gostava! O homem deslizou os dedos pelos longos cabelos, como desembaraçando-os, beijou-a mais uma vez. Desta vez na boca, de leve. Gina chegou-se toda, abrindo a boca, implorando, muda, pela língua. Não a recebeu. Marcelo afastou-a delicadamente, beijando-a no canto da boca. Ela o olhou aturdida.
— Eu sei, também senti vontade. Mas é melhor nós pararmos por aqui.
— Por que, meu amor, se é isso que a gente quer?
— Porque dessa vez é pra valer, Gina. Estou te deixando.
— Não faz isso! — recomeçou a soluçar. Descontrolada, abraçava-se a ele, ainda sentada no seu colo.
— Psiu, escuta — parecia que estava falando com uma criancinha.
— Não ! — berrou ela, agora de pé. Então faz uma coisa .... me mata!!! Me mata, pelo amor de Deus!
— Pára com isso, já falei — começava a perder a paciência. A situação fugia-lhe ao controle. Odiava quando isso acontecia.
— Me mata, não quero mais viver!
— Deixa de besteira! Você sabe que não vou te matar. Pode parar com o teatro.
— Teatro?
— É isso mesmo! Quantas vezes já ameaçou suicidar-se e continua aí, vivinha?
— Eu te mostro!
Enlouquecida, correu para a cozinha. Apanhou, no armário, uma faca enorme e encostou-a no pescoço. O marido parou próximo e disse-lhe friamente:
— Não me importo em absoluto. Quer se matar? Esteja à vontade. Para mim é até um favor! — Sabia que estava provocando-a, mas sentia uma vontade enorme em ser cruel. Ela ficou desconcertada por um instante, não esperava essa reação. Voltou, subitamente, a faca contra o pescoço e gritou. Marcelo viu o filete de sangue escorrendo pela garganta. Só de olhar constatou que o corte era superficial. Perguntou cinicamente:
— Morreu? Ou melhorou?
Com a faca em uma das mãos, Gina comprimia, com a outra, o ferimento. Estava tão assustada que nem conseguia falar. Impetuosa como sempre, tinha se cortado em um arroubo de emoção! A atitude do companheiro simplesmente a aniquilou. Ficou inerte, sentindo o fiapo de sangue escorrer, alcançando-lhe um dos seios. Insensível, Marcelo continuou:
— Pura palhaçada. É só fazer um curativo compressivo que estanca o sangue.
Dito isso, deu-lhe as costas caminhando em direção à sala.
— Morre maldito, morre!!! — Como uma possessa, a mulher atacou-o pelas costas, com a faca, desferindo-lhe seguidos golpes. Ele baqueou, a camisa enchendo-se de sangue:
— O que você fez comigo, desgraçada?
Nua, com o sangue ainda escorrendo pelo pescoço, Gina amparou-o, desesperada. Ele respirava fazendo um barulho estranho. Via tudo embaçado.
-—Chama a ambulância! Faz alguma coisa! — estertorou.Gina não admitia abandoná-lo. Correu para a porta, abrindo-a de par, gritando como uma louca. Voltou para ele, estendido no chão, cada vez mais fraco:
— Pelo amor de Deus, não morre! Não faz isso comigo!
Marcelo mal conseguia abrir os olhos, sentia que ia apagar. Intuía que a mulher o acertara nos pulmões ... tava fudido!
— Não quero morrer!- pensava. Tenho a vida pela frente! Faço qualquer coisa pra me salvar...
A essa altura o apartamento já estava apinhado de gente. Porteiro, faxineiro, vizinhos.... ninguém queria perder o espetáculo. Afinal não é todo dia que um casal se esfaqueia! E ainda mais com a mulher peladinha daquele jeito... Todos fingiam ajudar, mas estavam mesmo se deliciando com as curvas de Gina, cujo sangue coagulara no pescoço e no seio. Atordoada, ela não se dera conta de sua nudez. Ajoelhara-se ao lado do marido, meio morto. Chorava e rezava sem parar. De repente veio-lhe a idéia! Aproximou-se mais, colou a boca no ouvido de Marcelo e ficou falando baixinho. Ele, de olhos cerrados, sangrando abundantemente, a ouvia ao longe, como em um sonho.
— Você concorda? Abre os olhos, se concorda.
Marcelo, à essa altura, concordava com qualquer coisa! O problema era abrir os olhos, pareciam pregados!
— Se você concorda, pisca pelo menos!
— Filha da puta, será que ela não vê que estou morrendo? — conseguia pensar, estonteado. Concordo, juro, mas como vou fazer essa besta entender isso?
Com muito esforço, por alguns segundos, entreabriu os olhos e deu uma piscada. Gina beijou-lhe o ouvido, murmurando:
— Você se salvará, meu amor, o anjo me contou.
Finalmente chegou o atendimento médico. Só nesse instante, alguém lembrou de oferecer uma toalha para a moça se cobrir.

Meses depois, o casal ainda era o assunto preferido do bairro.
— Ninguém sabe pra onde foram.
— Briga feia aquela, hein?
— E não deu em nada...
— Nua daquele jeito, com o homem quase morrendo! — aparteou uma senhora. A conversa calou por instantes. Os homens esperaram ficar sozinhos para continuar.
— Um mulherão! Gostosíssima!
— Pois é. Ela bem que dava seus pulinhos... (gargalhadas)
— Aquilo era uma vadia, não podia ver homem! (risos e assobios)
—Vai ver que era porque o dela...vocês sabem, né?
— Verdade? Mas ele nem desmunhecava!
— E daí? Era enrustido!
— É mesmo! Foi visto num papo meio estranho com aquele crioulo da oficina, que todo mundo sabe que é chegado!!! (gargalhada geral)

Instalados em uma pacata cidade do interior, viviam Gina e Marcelo em clima de paz e harmonia nunca dantes provada. A causa disso fora a promessa que fizeram quando Marcelo encontrava-se à beira da morte. Naquela situação de cruel desespero a idéia surgira como uma redenção. Gina jamais se esquecera da voz do anjo a soprar-lhe no ouvido. Caso o marido escapasse da morte teriam, ambos, que cumprir um pacto de castidade. Dali em diante seriam puros. Viveriam sem sexo, como irmãos. Ou no máximo, como amigos platônicos. E assim o fizeram. Não fora fácil, principalmente para Gina. Dotada de furor uterino, por vezes se excitava com um simples olhar do companheiro. Passaram a tomar tranqüilizantes e até mesmo poções. Ficavam horas conversando, sentados de mãos dadas, como namorados. À noite ouviam música e por vezes dançavam. Nesses momentos não resistiam e beijavam-se, apaixonados. Evitavam ao máximo o beijo de língua, mas às vezes não dava. Iam, então, para o quarto (dormiam em camas separadas) e se despiam. Permaneciam, um em frente ao outro, a acariciar o próprio corpo, nas mais diversas posições. Gina tentou, no início, desvirtuar esse tipo de relação, porém o marido não permitiu. A promessa feita ao anjo pendia sobre sua cabeça como uma espada, sempre pronta a decapitá-lo. Quando entregavam-se ao prazer solitário a imaginação corria fértil, mormente para Marcelo, que podia dar vazão a seus instintos. Entregavam-se à verdadeiras fúrias masturbatórias. Após o orgasmo, deixavam-se cair nos respectivos leitos, cansados, depauperados. O final era sempre o mesmo — braços esticados, mãos unidas, dedos entrelaçados. Unidos pela masturbação! Unidos pelo amor platônico! Até o fim de suas vidas! Tinha que ser assim...

Danna D.

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