EM NOME DA FALTA
 
                 De um modo peculiar, olho pelo buraco da fechadura e me vejo entre os vazios do quarto. O que me falta? Talvez a sabedoria que sempre esperei e nunca  veio. Não tive piedade de mim. Torturei-me pela falta dela. Exigi-me mais do que devia.  Meus pés ficaram ásperos, escamaram, e cortes se abriram devido à aridez da terra. Talvez a vida inteira eu tenha errado. Nunca soube onde estava pisando. Descobrir um infinito foi pretensão. Sofro de cegueira, surdez e tantas outras deficiências que escapam a minha tentativa de definição. Uma coisa eu nunca fui: muda. Falei. Falei mais  que o necessário. Fiz uso contínuo da retórica. Fui a imitação do homo sapiens. Mas cansei de usar o  discurso alheio. Quanto mais se fala, menos se sabe. Hoje quero saber de mim, das percas que me restaram.  Eu que  nunca  fui a Nova York e nem assisti a uma peça da Brodway tento, de alguma  forma, compensar essa ausência. Há quem diga que essa falta seja um pecado intelectual. Mas peca-se por tantas outras. Não há falta maior do que nunca ter visto seu pai chorar. E a Tv diz que o que  te falta é um carro igual ao do Brad Pitt e um homem bonito que te ame. Porém, para ser amada por aquele ator de  comercial, faz-se  necessário um corpo escultural e uma carinha de anjo. E você não se enquadra em nenhum dos dois padrões, além de ter uma alma suscetível a terremotos. Aliás, você está fora de todos os padrões sugeridos pela sociedade. E o que gostaria mesmo, era  botar uma mochila nas costa e ir andando até  Machu  Picchu. Companhia? Um homem que, se necessário, tenha coragem para chorar.

            Mas não há muitas alternativas para as mesmices da vida. Os caminhos  das pedras são íngremes e  solitários. Por isso vivo com esses ares de metáfora.  Minhas dores e sonhos são incompreensíveis à sociedade. Enxugo a lágrima ressentida. Nem sempre dizer sim significa aceitar os desígnios da vida. Às vezes é preciso dizer para se enquadrar à dita normalidade. E entre um sim e um não, vou ficando cada vez mais ignorante. Uma descoberta e uma rejeição. Onde a sabedoria? O que espero é tão pouco. Pouco mais que uma música suave que me faça tremular como uma lua na água. Os meus sonhos têm formas invisíveis. Meus atos também. Como explicar que semeio palavras porque acho que elas são poucas para esse  universo de homens? Sei que nunca se tornarão árvores mas me permitem a ilusão de sacerdotisa. Tenho essa inexplicável necessidade de  sentir-me um pouco santa. De vez em quando, algum grito gago ecoa sílabas que inventei. Agudos riscam o silêncio. Poucos ousam. Grande parte da humanidade está acomodada a padrões. Valem a pena os riscos? Dúvidas de gente grande com  medo de ser gente pequena. As pessoas têm medo do insucesso.  Argumentos verticais que penetram no tempo sem deixar marcas na superfície. Porém não adianta querer discutir o sucesso. Sucesso é tema para profissionais. E eu sou amadora. Uma amadora compulsiva e prematura querendo descobrir o mundo sem sair 3de casa. Uma amadora que ama. E o amor não me falta, aliás, me farta. E se escrevo em nome da falta, que ela seja eterna tanto quanto a busca. Amém.

                                                    Lucilene Machado

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