Antônio
Gavino era homem como qualquer outro do Agreste. Das lidas da vida tudo
entendia, e isso lhe bastava para construir e preservar a honra.
Muito tempo viveu essa ilusão.
As constantes
convulsões sociais em sua terra, onde as atrocidades do clima adverso
bastavam para prostrar um homem, gerariam um episódio que comprovaria
que a honra de um homem não se valida nem se macula tão somente
no trabalho diário.
Gavino era
feliz em suas poucas posses. A vida permitia-lhe a felicidade
na proporção de seus poucos recursos e como desconhecia a
abundância, sua maior cobiça era permanecer
vivo; nunca reclamava, e resignado reportava-se com uma frase pronta
ao tema complexo: ‘o que os olhos não vêem o coração
não deseja’.
O recrutamento
para combate à Coluna Prestes, durante sua passagem pelo Agreste
pernambucano no primeiro lustro da década de vinte do século
passado, o pegou de surpresa embora fosse — como todos os sertanejos —
um homem em alerta devido os constantes saques de salteadores que
corriam a região. Gavino considerava-se um homem honrado, mas não
corajoso. Não alardeava isso como era freqüente entre quem
colocava a macheza acima de tudo; compensava a pouca coragem com a astúcia.
E nunca houvera oportunidade para pôr em questão sua coragem.
Creditava isso à prudência.
Os últimos
raios de sol ainda resistiam por trás da serrania nua, ponteada
com avareza por espinhentos mandacarus e xiquexiques, quando o soldado
da volante aproximou-se da casa de Gavino pela estrada poeirenta.
A montaria demonstrava cansaço e banhava-se em suor apesar da hora
mais fresca. ‘Esse aí já andou muito’, conjeturou Gavino
ao levantar a vista alertado pelo ruído do tropel do animal
que se aproximava. Parou a limpeza no pequeno plantio de mandioca no oitão
da casa e apoiou-se no cabo da enxada à espera da chegada do soldado.
— Olá,
disse o militar.
— A que vem com tanta pressa? — especulou Gavino
desconfiado.
— O tenente mandou pr’ocê
esse bilhete — disse o praça estendendo-o.—
Ele quer os homens válidos na volante, que os revoltosos
não demoram a chegar.
Gavino persignou-se
e empalideceu imediatamente. No mesmo instante, dona Rosa, a sua mulher,
saiu aflita pela porta do oitão.
— Qual é o problema, homem? — indagou ao marido.
O soldado
atalhou a conversa:
— Assunto
de homens, dona!
Gavino
concordou com um movimento de cabeça com o que dissera o soldado
e pediu à mulher que entrasse em casa.
O soldado
reforçou a convocação, talvez por perceber nas feições
taciturnas do lavrador decepção e medo.
— Não
vá faltar ao compromisso que é traição não
defender a pátria. O tenente sabe como punir quem não defende
o Agreste.
Deu
meia-volta na montaria e esporeou-a com força nas ilhargas.
— Vou
atrás de mais gente, que a guerra vai ser grande — gritou, voltando
apenas o rosto para Gavino.
No dia
seguinte, ainda pela madrugada, Antônio Gavino apresentou-se na delegacia
de Monte das Cruzes. Deixara a mulher aos prantos mas não podia
furtar-se a convocatória. Se fugisse, para voltar depois que os
revoltosos passassem, seria perseguido e condenado, perderia a mulher,
o sítio de onde retirava o sustento de sua família e a honra.
Esse pensamento torturou-o desde a estada do soldado em sua
casa, perseguindo-o por toda a noite passada em claro e durante o percurso
de uma légua até a cidade.
Assim estava melhor. Já que era impossível remediar
o destino, entregar-se-ia a ele.
A algazarra
de gente armada diante da delegacia num primeiro momento chocou Gavino.
‘A coisa é séria meu Deus’, refletiu. Mas quando se integrou
à multidão eufórica sentiu uma réstia de confiança,
esquecendo inclusive a sensação de cordeiro que segue inexorável
para a imolação que o dominou por toda a viagem. Conhecia
quase todos ali, sabia da coragem da maioria deles, o que, se por
um lado humilhava-o por não se sentir digno e igual, por outro o
consolava por se imaginar protegido entre tantos rostos estrênuos.
Agradeceu ao Santíssimo porque a ninguém ali fora consagrado
a distinção de adivinhar pensamentos, pois se assim fosse
a sua pouca coragem seria denunciada. Cumpria apenas evitar a aproximação
do compadre Diocleciano, este sabedor de que a carência de intrepidez
era uma de suas faltas. Mas não houve como, antes de o tenente Souto
falar à tropa, Diocleciano surgiu do nada num traje que causou opressão
em Gavino mas em homens destemidos causaria galhofa. Trazia o fuzil ao
ombro, as cartucheiras cruzadas sobre o peito, chapéu de couro cravejado
de estrelas e luas de alumínio na aba levantada na frente — ao estilo
cangaço —, um lenço vermelho amarrado ao pescoço e
algumas medalhas de santos devocionais como escapulários, presas
por alfinetes na camisa rústica de algodão cru. Em continência,
saudou o compadre:
— Não o esperava aqui, compadre
— disse.
— Também sei manejar uma arma — defendeu-se.
Diocleciano provocou:
— Homens não são passarinhos...
A conversa foi abreviada pela aparição do tenente
Souto na calçada alta da frente da delegacia. Ele era o delegado
e chefe do destacamento policial de Monte das Cruzes. Levantou a mão
pedindo silêncio, pois à sua aparição a algazarra
recrudesceu entre os homens armados. Foi atendido incontinenti pela multidão,
contudo não desfez a cara grave, não tanto pela luta e os
riscos que iriam correr daí a pouco mas pelos galos que teimavam
em desobedecer-lhe anunciando a manhã.
Foi direto ao assunto:
— Homens, vamos enfrentar os revoltosos. Eles já estão
perto. Cabe a nós defendermos o Agreste. Vamos preparar uma emboscada
na cacimba do Cavalo Morto.
Olhou entre os homens, olhar atento em busca dos mais perspicazes guerreiros
que o pudessem ajudar na batalha como lugares-tenente. Escolheu um negro
forte de nome Teodoro, destemido por enfrentar Lampião e seus cangaceiros
em um longo dia de fogo cerrado até o rei do cangaço bater
em retirada deixando cinco baixas; também pediu auxílio ao
compadre Severino, conhecedor como poucos dos segredos da caatinga que,
além de excelente guia, era homem cruel; fechou a lista Diocleciano,
para espanto de Gavino e dos demais. Imediatamente os três subiram
a alta calçada, entraram na velha delegacia e trancaram-se em uma
sala com o tenente Souto e o sargento Medeiros para traçar a tática
da emboscada. Do lado de fora o restante dos homens esperava e via crescer
a sua volta a multidão de curiosos, principalmente mulheres e crianças.
Depois de duas horas de espera, que para Gavino pareceram um longo
dia de tortura, a porta se abriu. Os cinco homens saíram com os
rostos suados e anuviados de uma gravidade impossível de saber se
pelas importantes decisões tomadas lá dentro ou para justificar
a responsabilidade que tinham sobre os demais presentes. Souto procurou
ganhar tempo: explicou a tática em rápidas palavras, nomeou
os três homens comandantes de destacamentos da volante e seguiram
marchando para o local da emboscada.
A tropa de uma centena de homens seguiu pela rua principal levantando
poeira até enveredar na caatinga, deixando para trás os cães
que latiram em seu encalço por todo o percurso dentro da cidade.
Gavino matutou: ‘péssimo começo, expulsos pelos cães’.
Se mais alguém na tropa — e isso era possível entre tantos
homens diferentes — era presa de maus augúrios jamais se soube.
O certo é que desde a saída de Monte das Cruzes, Gavino pressentiu
que não voltaria. Causava-lhe imenso temor ser colhido no calor
da refrega por uma bala perdida ou diligentemente dirigida a ele, o que
era a mesma coisa: a morte garantida. À sua volta os homens conversavam
alegres enquanto caminhavam, antecipando os lances de coragem que praticariam.
Só ele permanecia taciturno. A seu lado, como comandante de destacamento,
Diocleciano observava-o de soslaio, talvez diagnosticando a sua covardia.
Talvez a morte de Gavino, antes de qualquer combate, tenha um responsável:
Diocleciano; talvez Diocleciano tenha declarado o que declararia depois
por puro remorso, e se assim foi o nosso herói é um covarde.
Mas como nada foi testemunhado, a história de Diocleciano
pode ser falsa.
Apenas dois homens falaram do fato menor: a morte de Gavino. Zeca Bandeira
— depois do combate, quando os tiros ainda eram ecos nos ouvidos e o cérebro
ainda se conservava em alerta —, que seguia ao lado de Gavino e Diocleciano
na marcha, declarou que por todo o percurso Gavino diminuía-se como
homem pois a bazófia de Diocleciano o humilhava. Mais que o peso
da arma, pesava em Gavino a consciência de ser um covarde; e mais
que isso, a humilhação de ver essa condição
exposta publicamente. Maldosamente, Diocleciano imputava a
pessoas como Gavino os insucessos de ações militares. Chacoteava
entre os companheiros: ‘uma ovelha que tresmalha põe o rebanho a
perder’, e olhava sem disfarces para Gavino.
Antecipando-se ao que falaria depois Diocleciano, Abdoral Mendes diagnosticou
heroísmo em Gavino: “o homem não queria desertar, era muita
desonra”. E contou o que lhe confiara Gavino poucas horas antes do infausto
episódio de sua morte. “No Pouso da Ema, onde paramos para descansar
e dormir, Gavino me procurou. Sentia-se oprimido pelas ironias do compadre
Diocleciano; queria desabafar. Acho que se dirigiu a mim porque era o homem
mais próximo dele. Eu não tinha intimidade com ele; a gente
se conhecia, mas sem conhecimento que o autorizasse abrir-se comigo. Ele
estava com o rosto banhado em suor, outros ali também estavam assim,
por isso não creditei tais sinais a estigmas de covardia. Parecia
que também havia lágrimas, mas eu também havia chorado.
Lembro-me que a lua era grande como nossas expectativas pois foi falando
dela com pessimismo que ele se aproximou de mim: ‘Com essa lua, poderemos
perder a batalha’. De fato, a lua estendia um manto de luz prata sobre
o chão estiolado da caatinga, tornando-nos seres irreais cujas
sombras escuras pareciam mais humanas que nós. Senti um calafrio
gelar-me a espinha ante a possibilidade de estar morto logo depois. Éramos
alvos fáceis na claridade da lua cheia. A sombra dele parecia diferente
da sombra dos outros homens, acho que tinha mais liberdade de movimentos,
parecia querer flanar. As nossas outras, pesavam tanto quanto a nossa apreensão
ou o nosso medo. Dizem alguns que a alma separa-se do corpo quando morremos
e sobe ao céu, talvez fosse já a sua alma e não sua
sombra que, ciente de seu futuro, quisesse se libertar. Bem, voltando ao
assunto, Gavino revelou-me cruamente a sua incapacidade, e eu admirei-o
por isso: ‘minha presença faz muito mal ao grupo, eu não
sou um exemplo a seguir. A derrota será somente minha, a vitória
dos outros. Mas eu sei o que fazer’. Seu rosto de alabastro quase tocando
o meu enquanto sussurrava, assustou-me. Na hora, pensei que fosse pela
ação da luz da lua, mas bastou desviar o olhar para os outros
homens para constatar que seus rostos imersos na sombra eram escuros. Novamente
o medo transiu-me.”
Gavino nada mais disse, rastejando sobre os cotovelos e os joelhos,
buscou a proteção de um arbusto e ali ficou imóvel
até restarem acordadas no acampamento apenas as sentinelas. Alta
madrugada, quando as sentinelas cochilavam perigosamente, Gavino pôs
em prática o plano urdido desde que a tropa acampara para descansar
e dormir. Com movimentos mínimos, que agitavam somente os galhos
mais finos do arbusto sob o qual se abrigava, parecendo tocados por uma
brisa fraca, ele sacou a pistola da cintura. Olhou no escuro para todos
os lados e viu apenas as sentinelas sentadas sobre as pernas
cruzadas, a cabeça caída à frente pelo peso
do sono e do cansaço, como bonecos inofensivos, disformes e escuros.
Sorriu, não um sorriso sarcástico, mas de um melancólico
adeus sem testemunhas.
Nem sempre a morte é uma fatalidade ou uma desgraça.
E quando ela vem de maneira súbita pode ser um alívio. Com
Gavino parece ter sido assim. O tiro acordou o acampamento. Os homens saltaram
sonolentos do chão, as sentinelas apontaram as armas para a macega
e dispararam a esmo. Como não houve resposta à fuzilaria
da volante, a calma reinou em poucos minutos, e foi então que encontraram
Gavino com um tiro no ouvido e a pistola caída ao lado. Havia se
suicidado. A tristeza abateu a confiança dos homens, e não
foi pela morte de Gavino mas por se sentirem vulneráveis. A morte
os espreitava, e tanto podia ocorrer pela covardia como pela coragem.
Ninguém mais dormiu pelo resto da noite. Primeiro enterraram o corpo
de Gavino e depois avançaram de posição pelo receio
de serem surpreendidos pelo inimigo. Durante o sepultamento, e por toda
a marcha, os olhares de reprovação voltaram-se para Diocleciano.
Mesmo demonstrando indiferença, estava claro que se incomodava com
a censura geral.
A volante chegou a cacimba do Cavalo Morto com o sol já alto
no céu e um calor sufocando o mundo. A mina ficava numa depressão
protegida das intempéries por dois minúsculos bosques nas
vertentes dos montes em ferradura que a cingiam. Uma falha na parte curva
da ferradura impedia os montes de se tocarem. Um vestíbulo
pedregoso e nu antecipava a cacimba e seria ali o local da emboscada. A
água não era muita, e a avareza sequer permitia que serpeasse
entre as rochas. Mas na imensidão estéril era passagem obrigatória
para os viajantes. Velho perseguidor de cangaceiros, o tenente Souto sabia
disso. Esperaria emboscado a chegada dos revoltosos. Pretendeu dispor os
homens segundo a melhor tática militar, tentando fazer da surpresa
o trunfo maior. A Força se alojou apenas sobre o cerro mais baixo,
para que a proximidade com o inimigo — quando ele fosse se abastecer de
água e descansar —, favorecesse a pontaria. Negligenciar a
ocupação do cerro mais alto foi o erro fatal do tenente Souto.
Diocleciano com trinta homens foi deixado como reserva detrás
do monte mais alto, tendo também a incumbência de fechar a
boca da arapuca e evitar a fuga dos revoltosos batidos.
A tarde de espera povoou a cabeça dos homens de culpas e expiação.
A espera e a canícula minavam-lhes os nervos tanto quanto
o medo que nunca se faz ausente. O horizonte nu e pedregoso pontilhado
de áspera flora xerófila era um desalento comparável
à vida que levavam no Agreste.
Quase à hora do ângelus os revoltosos chegaram. Não
eram muitos. Era apenas um destacamento de pouco mais de cinqüenta
homens encarregados de buscar água para abastecer a tropa que acantonara
distante. Movimentavam-se com agilidade e eficiência para quem desconhecia
a região. O rigor e o treinamento militar explicavam tudo. A um
sinal do comandante, ainda fora do vestíbulo, os homens galgaram
o monte mais alto, para proteger os quatro almocreves que iriam encher
os barris com água. O tenente Souto praguejou quando percebeu a
manobra. Seriam descobertos do alto e se tornariam alvos fáceis
para os expertos atiradores. Torceu para que Diocleciano também
tivesse percebido a manobra e entrasse em ação para impedir
a ocupação do cerro. Diocleciano percebeu a manobra mas não
calculou o prejuízo que ela representaria para a volante; recebera
ordens de bloquear a saída aos revoltosos que tentassem a fuga após
serem batidos, e por causa disso se manteve imóvel.
A primeira carga de fuzilaria dos revoltosos fez grande estrago entre
os homens da volante — completamente expostos — que, alvejados de cima,
demoraram a reagir. Mesmo reagindo, não obtiveram sucesso pois atiravam
contra um inimigo protegido no cimo do monte e, quando muito, viam o clarão
do disparo. A réplica aos disparos dos revoltosos quando não
atingia o paredão passava alto por sobre o inimigo. Os homens rolavam
aos gritos e começaram a recuar a despeito de não terem recebido
ordem para tanto. Falava alto o instinto de sobrevivência. Na retirada
às pressas, Souto foi atingido por um projétil nas costas
e caiu morto imediatamente. Teodoro, Severino e o sargento Medeiros também
tombaram a intervalos quase regulares.
Diocleciano viu a noite chegar apressadamente e engolir sua coragem.
Paralisava-o o medo de tomar uma iniciativa que fosse desastrosa. Desejou
intimamente abdicar do posto de comando, mas o momento não
era pertinente e tal atitude não deixaria incólume sua reputação
nunca posta a prova de homem estrênuo. Seus comandados olhavam-no
interrogativamente na escuridão, ansiosos por uma ordem. Os olhos
arregalados em todos eles pelo pavor eram áscuas que iluminavam
a noite tanto quanto as balas dos fuzis. Diocleciano enregelou ao olhar
aqueles espectros armados. Incontinenti, pensou estar morto e diante de
um tribunal que julgaria sua má conduta para com Gavino. Arrependeu-se.
Mas é impróprio o que é fora de tempo. Agoniou-se;
seus homens com ele. Estavam quase a ponto de debandar sem disparar um
único tiro quando Diocleciano, olhando para o lado por onde fugiriam,
viu um vulto aproximar-se silencioso. Pensou que era o inimigo aproximando-se
ladino. Mas assim — desassombradamente? O peito saltado à frente,
os ombros recuados, um braço solto sem peso para baixo, o outro
segurando a carabina com o cano apontado para o alto, a mão empunhando-a
energicamente com o dedo indicador grudado ao gatilho. A cabeça
altiva olhava adiante para o cenário da luta. Diocleciano balbuciou:
‘É ele, Gavino!’
Diocleciano seguiu Gavino sem contestar, e atrás dele todos
os homens.
Ninguém acreditou quando jurou na volta a Monte das Cruzes que
Gavino os conduziu à vitória. “Gavino nem me olhou, nem disse
palavra. Passou por mim silencioso como uma sombra. Sua força era
tanta que acendeu em mim uma coragem que me queimou as entranhas como brasa
viva. Ele andava lenta e pausadamente, mas como não o acompanhava
por mais que me esforçasse, comecei a correr. Adiante de nós,
ele guiava-me. Segui-o cerro acima. Ele deu o primeiro disparo; eu o secundei.
Os meus homens gritaram alto e disparam cerrado. O conflito generalizou-se.
Os revoltosos, em meio à fuzilaria e a escuridão, demoraram
a perceber nossa chegada. Gavino passou por eles silente. Nossas
balas ou a sua sombra prateada, como a luz da lua cheia — e recordei naquele
momento com lágrimas nos olhos seus momentos angustiados da noite
anterior, a noite de seu fim —, feriam de morte nossos inimigos. Eles caíam
como moscas. Após ultrapassar o último homem, as trevas da
noite engoliram-no. Num impulso fui até onde ele desaparecera, desviando
dos cadáveres que conservavam os olhos abertos, certamente não
por terem visto a morte mas pela visão de um fantasma. Na
borda do precipício onde desaparecera, encontrei o coldre
da arma assassina com o qual fora enterrado, que até hoje conservo
comigo.”
jjLeandro