A lenda do País do Futuro

Lá vai o nosso herói (afinal, toda fábula que se preze tem um, mesmo que dublê) pela floresta devastada, arrastando uma vaquinha magra de dar dó. Seu nome é Ferdinando Henrico, ex-rei do País do Futuro. Ele segue a passos lentos em direção ao Mac Brejo, pra tentar descolar uns trocados.
A situação do reino está periclitante, um miserê só. Tudo porque Ferdinando teve a infeliz idéia de alugar o País do Futuro para o Império do Norte, há alguns anos, uma sugestão de assessores. “Afinal, não está sendo usado mesmo”, diziam os tais especialistas, todos com PhD em Economia de Esforços. Em pouco tempo, todas as riquezas do País foram surrupiadas.
Houve uma tentativa de reação militar, logo contida por uma horda de bárbaros sanguinários free lancers, a serviço doImpério, que tomou o poder apenas fazendo caretas - bastante convincentes, diga-se de passagem. Os nobres da corte apressaram-se em demonstrar apoio ao novo governo. Prepararam um banquete especial e faixas de boas vindas, mas não escaparam da fúria dos bárbaros, famosos por beberem o sangue das vítimas (embora bebessem apenas para manter a lenda e a fama de maus). O povo ficou indiferente, porque sabia que quase nada iria mudar. Continuaria a sofrer com os altos impostos e chibatadas – a diferença ficaria por conta do ferro em brasa e do óleo quente nas costas.
Ferdinando botou sebo nas canelas e fugiu para um reino vizinho. Só voltou dois anos depois, disfarçado de trabalhador, o que pra ele tem sido um martírio. Planeja convidar os bárbaros para um churrasco de negócios, mas ainda está em dúvidas se é mesmo uma boa idéia. Sua cabeça está a prêmio e, certamente, seria usada no próximo campeonato de futicabeça, a nova mania nacional.
Segue Ferdinando Henrico puxando a vaquinha, pensando nesta e outras idéias de retomada do poder, como a criação do Partido Social Democrático Bárbaro.
De repente, uma águia gigantesca aparece num vôo rasante, causando uma ventania, e pousa em frente a Ferdinando. A águia então se transforma num homem, um executivo que segura uma maleta e usa óculos rayban. Ferdinando treme mais do que vara verde.
—       Ô, Ferdinando, deixa de ser frouxo! – disse o estranho.
—       Q-quem é você? Como sabe meu nome? – gaguejou Ferdinando, escondido atrás da vaca.
—       Sou emissário do Império. A minha missão é ajudá-lo a expulsar os bárbaros. Eles estão fugindo do nosso controle e  começando a nos dar dor de cabeça. Trago nesta maleta a solução para os nossos problemas. É bastante simples – começa a abrir a maleta.
Ferdinando se aproxima, movido pela curiosidade.
—      Tome. Esta é uma semente de um pé de feijão mágico.
—       Acho que já ouvi essa estória antes...
—       Suba no pé de feijão e vá até o castelo de Kaus Mercado com esta mala recheada de dólares.
—       E por que vocês não me ajudam logo?
—       Ora, essa é boa. Nós oferecemos ajuda e você ainda fica questionando!
—       Desculpe, eu...
—       Cale-se! Apenas faça o que estou mandando.
—       Mas e se não der certo?
—       Aí então resolveremos ao modo do Império.

Disse isso e voltou a se transformar em águia. Agarrou a vaca e bateu  as imensas asas, quase arrancando árvores, e arremessando Ferdinando Henrico para longe.
Atordoado e machucado pela queda, Ferdinando acredita por um momento que tudo não passou de um sonho, mas se dá conta do desaparecimento da vaca. Encontra a maleta embaixo de algumas penas. “Onde estará a tal semente?” Procura ao redor e não encontra.
Eis que uma planta começa a crescer ao seu lado, revirando a terra, em grande velocidade. Pendurado por um galho, Ferdinando é levado até os céus. “Desembarca” num lugar que mais parece a imagem do Paraíso. Uma placa indica: “Castelo de Kaus Mercado. Aproxime-se. É por sua  conta bancária e risco”.
À porta do castelo, percebe que há câmeras e um interfone.
—       Seu Kaus Mercado está?
—       Quem é você?
—       Ferdinando Henrico, do País do Futuro.
—       Abra a maleta.
—       Trago dinheiro.

Passam-se alguns minutos.

—       Pode entrar.

A porta automática se abre. Ferdinando dá alguns passos e descobre que está no meio de um grande salão, lotado. É um verdadeiro cassino, no estilo Las Vegas: muitas máquinas de pôquer, mesas de apostas, cupiês e tudo o mais. Ferdinando se sente ridículo, maltrapilho e sujo, enquanto todos estão muito bem vestidos. Fica encostado num canto, sem saber o que fazer.
De repente ouve-se uma gritaria. Surge um pequeno tumulto.
—       Não é justo, não é justo! Eu ganhei, tenho certeza que ganhei. Estou sendo roubado. Isto é um roubo!
Um senhor de meia idade é levado por dois gorilas (literalmente) e arremessado para fora. Finda a confusão, todos voltam às apostas. Ferdinando segura com mais força a maleta. Avista um garçom, que leva uma bandeja com frios. Tenta alcançá-lo, pois está faminto, mas é puxado pela calça.
—     Aonde vai com tanta pressa, Ferdinando – diz um anão, fumando um charuto, cercado de gorilas.
—       Kaus Mercado?
—       Eu mesmo, ao seu dispor.
—       Pensei que...
—       Que eu fosse um gigante? Acho que você anda lendo muitos contos de fada, meu jovem. Então quer dizer que o País do Futuro virou de vez a Terra do Nunca – solta uma gargalhada fina.
—       Você pode me ajudar a expulsar os bárbaros?
—       Isso dependerá de você, meu rapaz.
—       Como assim??
—       Da sua sorte, é claro. Onde pensa que está? Na Porta da Esperança? – nova risada.
Param diante de uma mesa com uma grande roleta. Uma roda de apostadores se forma ao redor.
—       O negócio é o seguinte. Você terá que apostar a sua pequena fortuna em apenas um número, de 0 a 50, e escolher entre o azul e o preto. Se acertar o número, faremos com que os bárbaros saiam do seu reino.
—      Posso saber como farão isso?
—       O dinheiro compra tudo, meu rapaz, de um bárbaro a um rei – risadinha.

“Esse tampinha é um pé no saco”, pensa Ferdinando.

—       E se acertar a cor?
—       Não ganhará nada, mas não perderá o dinheiro. E aí poderá arregimentar um exército para combater os bárbaros. Se não acertar, o dinheiro ficará com a mesa e você sairá com as mãos abanando. Então, podemos começar?
—       Fazer o quê? Nunca tive sorte em jogo, mas não custa nada tentar... só a minha cabeça, talvez.
—       Hihihihihi. Gosto do seu senso de humor, rapaz. Agora vamos começar o jogo e decidir o futuro do País do Futuro. Hihihihihi, essa foi boa, hein.  Faça a sua aposta e boa sorte!
—       Huuummm. Azul...45.
—       Azul 45 – repete o cupiê.

A roleta gira veloz. Ferdinando sua frio, sente as pernas bambas.
Tenta inutilmente acompanhar com os olhos a bolinha. É o seu futuro e o de seu reio que estão em jogo, a chance de retomar o poder de uma vez para sempre, de tirar o pé da lama. Começa a rezar, mas não se lembra do resto da oração. A roleta começa a parar, a bola pula pelos números. Ferdinando prende a respiração e fecha os olhos.

—       Preto 47.

“Perdido, tudo está perdido”, lamenta-se Ferdinando, contendo as lágrimas.

— Ânimo, meu rapaz. Hoje não foi o seu dia. Quem sabe numa próxima vez? Mas como fui com a sua cara, vou lhe dar algo valioso, um conselho de vida: “Seja você mesmo. Pode ser horrível, mas é mais barato. Hihihihihi”
Ferdinando pula no pescoço do anão, mas é contido pelos gorilas.
Depois de levar uma boa surra, é jogado para fora do castelo. Começa a descer lentamente o pé de feijão, sentindo dores por todo o corpo. No meio da descida, quase é atropelado por uma multidão que vinha subindo. Eram homens, mulheres e crianças, com aparência de mendigos.
—       Ô, moço. Onde é que essa planta acaba? – pergunta um deles.
—       Num castelo.
—       Num castelo? De verdade?
—       Quase. Mas não vão deixar vocês entrar. É um lugar pra ricos.
—       Então deve de ser muito melhor do que lá embaixo. A coisa lá tá preta! É pro castelo que nóis vai. Vamos invadir, minha gente!

Ferdinando tem uma idéia genial. Assim que descer, dará um jeito de contar aos bárbaros sobre as maravilhas que encontrou lá em cima, das riquezas e tesouros do castelo. Depois que subirem, cortará o pé de feijão. Ficou tão feliz com o plano, que até riu pela primeira vez, depois de longos anos de sofrimento. Estava mesmo nas nuvens, cheio de esperanças, e nem ouviu o som da serra elétrica lá embaixo, cortando o pé de feijão.

Ricardo Borges

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