"Detesto chiclete, o gosto acaba rápido e você ainda tem
que ficar se preocupando em achar um lugar obscuro para depositá-lo",
ele disse com tom de indignação. "Eu gosto de chiclete,
porque sou grudenta e sinto prazer em ficar mastigando minhas relações",
ela acrescentou, logo depois, num tom de quem recebeu uma indireta e não
gostou. O chiclete é a apenas uma das metáforas. Ela sonhava
com um sentimento profundo com eterno sabor de novo. Ele a considerava
tola por não entender que toda paixão é efêmera
por essência.
Paixão tem um problema. Acaba-se.
Qual o sentido, então, de até que a morte nos separe?
Quando foi que ele parou de sentir aquele frio no estômago?
No segundo encontro ou no último ano? É muito difícil
precisar o momento exato em que as coisas começam a desandar.
Final feliz, o que é isso? Para ela, seriam pequenas viagens
a lugares paradisíacos, beijos mentolados, olhos piscando, flores
vermelhas, cartão de crédito dourado e dois eu te amo por
segundo. ”Por favor, me faça voltar a ficar completamente apaixonada”,
ela disse baixinho, quase murmurando. ”Depois a gente conversa, estou morrendo
de sono”. Virou-se para o lado e ela se arrependeu de ter pretendido discutir
a relação às três da madrugada.
Sentada na poltrona de estofado azul, ela tremia. O termômetro
de rua apontava vinte e cinco graus. Será que ouviria ainda um “eu
também”? Por causada da dúvida, tinha febre de trinta
e nove. Sempre foi chegada a um drama. Livro de cabeceira :A insustentável
leveza do ser. Filme predileto :E o Vento Levou. Quem consegue esquecer
do primeiro beijo de Scarlett O´Hara e Rhett? Ele adorava trocar
seu cd de Celine Dion pelo dos Raimundos. Ela não se incomodava,
achava legal quando ele a chamava de Mulher de Fases. A aeromoça
pediu que apertasse seu cinto. Para que segurança, numa situação
como aquela? Pouco lhe importava os olhares curiosos dos outros passageiros.
Será que eles nunca tinham visto ninguém soluçar?
Para nada ia servir aquela água com açúcar. Olhou
pela janelinha e descobriu que as nuvens não eram feitas de algodão
doce.
Era pisciana. Antes de ir embora, escreveu no espelho do banheiro dele,
um “Eu te amo” vermelho de batom. Ele sorriu, tirou uma folha do bloquinho,
movimentou a caneta e lhe disse para só abrir o envelope, no avião.
Letras feias de imprensa formavam ADEUS. A primeira lágrima de seus
olhos caiu e borrou o S.
Como estava o sexo? Muito bem, obrigado. Tirando às vezes em
que ele não estava afim, ela nada tinha do que reclamar. Orgasmo
é uma coisa espiritual. Fazia Yoga há três meses.
Não que tivesse absoluta certeza de que era o final. Esse ADEUS
seria a forma abrasileirada e sutil do famoso THE END, que aparecia no
fim dos filmes? Andavam discutindo, mas não esperava que fosse terminar
assim. Qual seria o verdadeiro motivo? O telefonema desaforado, o tubo
de pasta que apertou demais ou a discussão pelo cobertor?
Nenhum dos três. Era uma conspiração astrológica.
No seu mapa astral, Vênus não passava em Virgem e era por
isso que jamais dariam certo. Ele gostava de deixar claro, que não
concordava com essas babaquices astrológicas que ela insistia em
acreditar. Para ele, racionalizar demais sobre o amor era o mesmo que beijo
na boca sem língua, namoro sem paixão e música sem
ritmo. Quantas trilhas sonoras um casal pode ter? “You’re just to good
to be true, can’t take my eyes off of you”. Esta foi a primeira. “I will
survive”, seria a última?
Quando uma mulher não vive uma relação estável,
o mundo todo a condena. Ela só queria um estilo de vida simpático,
filhos, marido e cachorros numa mesma casa. Vestida em um longo branco
e vaporoso, acordaria cheia de sorrisos para fazer o café. Nada
disso mais aconteceria? A situação foi ficando clara. A mulher
de vermelho devia ter ligado para ele, de novo. Seu sangue
latino americano, certamente, ferveu de tesão e ele deve ter esquecido
de tudo que viveram juntos. ”Pobre criatura”, pensou ela, quando visualizou
a mulher de vermelho, acordando com o olho borrado de rímel e colocando
whisky na mamadeira das crianças.
Um cara de verde perguntou se podia sentar ao seu lado. Ela ignorou
a pergunta e abaixou o rosto. Ele já esperava não ser
bem recebido e resolveu passar por cima da atitude da garota. Abriu a valise,
tirou a flauta ,respirou fundo e começou a tocar a musiquinha do
comercial de Natal do Bamerindus: ”Quero ver você não chorar,
não olhar para trás e nem se arrepender do que faz, quero
ver o amor nascer, quando a dor crescer você nem sentir e sorrir...”.
Ela levantou a cabeça, apoiou o queixo na mão esquerda
e o fitou. Uma auréola dourada flutuava sobre sua cabeça.
"Obrigada", disse oferecendo um gole de sua água com açúcar.
Ele sorriu e respondeu sem pestanejar: Aceita um chiclete?
Isto foi o fim do princípio. She will survive.
THE END.
Renata Belmonte