Quem esse cabra da peste pensa que é pra me fazer de besta? Hômi sem palavra pra mim não tem valor. Não adianta ter anel de dotô. Só virou deputado por minha causa, de mim mesmo, deste Zé Ninguém aqui. Tá ouvindo, Jubiléia? Pelejei feito uma mula... desculpa, Jubiléia, é modo de dizer. Pelejei de sol a sol, feito um condenado. Andei pr´arriba e pra baixo, até parecia a sombra dele. Foi a primeira veis que andei de carro, Jubiléia. É ligeiro que dá até susto. A gente nem sente que tá no chão, coisa do outro mundo! Num fica com ciúme não, Jubiléia. Num adianta ser veloz se a gente num tem rumo certo. Era o que a minha mãe me dizia. Quer dizer, num dizia, mas queria dizer. Ela não era de falar muito, num sabe? Teve uma veis nas eleição, que nóis se perdeu lá pras bandas da Bahia, um fim de mundo que nunca tinha pisado antes. Tinha outras pessoas junto, tudo gente importante. Nóis ia pr'um comício... um lugar onde político fala e o povaréu aplaude. Quer dizer, as veis solta desaforo também. Aí a gente tem que apertar o cabra, pra ele ficar quieto e deixar o hômi falar. Eu tava mais eles no carro pra mo'de proteger. Usava meu 38 enferrujado, mas porém que já botou muito cabra pra correr. Mas isso é outra estória. Como eu tava dizendo, nóis tava perdido, mas perdido que cego em tiroteio. Num passava alma viva. O sol caiu e nóis continuemos, sem saber pra onde ia. Aí nóis achemos um indicatório com o nome da cidade, Pedregulho se me alembro bem. Quando nóis cheguemos, o povo já tinha ido dormir. Dei uns pipocos pra arriba e o povaréu acordou assustado. Teve cabra que se embrenhou pelos matos, pensando que era bandido ou marido chegando mais cedo. Chamei o povo de porta em porta pra mo'de escutar o que o hômi ia dizer. Ele falou bonito, com umas palavras difícil, de dar gosto. Isso ele sabia fazer. Mas aquela gente era bicho do mato e num entendeu nada. Ainda mais que tava todo mundo com sono, cansado de carregar pedra o dia todo, que é só o que o povo deve fazer em Pedregulho ou Pedregal, não me alembro direito o nome. Foi um desperdício. Em todo lugar era assim, eu fazia de um tudo, Jubiléia, pregava foto dele nas casas, entregava santinho, botava gente pra aplaudir na praça. Até soltava foguete. Pelejei muito... Graças a Nosso Senhor Jesus Cristo e à Santíssima Nossa Senhora nunca precisei matar nenhum cristão. Só uns dois ou três cabras sem alma, filhos do cão, que despachei de volta pro lugar deles, lá pros quintos dos infernos de Belzebu. E foi com essa pexeira aqui. Cabra ruim tem que morrer é assim, gemendo. Aquele cabra da peste! Quantas promessas eu fiz no nome dele pra esse povo todo! Entregava até dentadura, mas só uma parte. A outra, só se o cabra votasse no hômi. Mas o hômi ganhou as eleição e nunca mais pisou aqui. Ficou o povo sem dente, sem açude, sem esperança... com um deputado que nunca apareceu. Fiquei eu aqui, feito bobo, sem o pagamento e a promessa de uma casinha que nunca existiu. Mas a vingança é um prato que a gente come frio, Jubiléia. Isso minha mãe não me ensinou. Isso de vingança pra ela era contra as leis de Deus. Mas Deus as veis cochila pra descansar e não vê o que se assucede aqui embaixo. Aí nóis tem que fazer justiça por ele. Daqui a dois anos o dotô deputado volta. E eu vou tá esperando...
Ricardo Borges