“Não, você é um amor, agradeço, mas não posso aceitá-las”. E jogou ao chão as flores. Portando um olhar que deixava transparecer a inconsolabilidade de seu ser, ele se abaixou e recolheu o presente que com tanto carinho e tanta esperança havia comprado.

      Era engraçado. Já vivera em inúmeras vezes sensações semelhantes desencadeadas por ela, mas sempre se reerguia e voltava a ter esperança. Sempre fazia questão de acreditar com toda a intensidade de sua inocência que “dessa vez será diferente”. E nunca era. Era sempre igual. Mas ele sempre tentava de novo. Apresentava, enfim, traços masoquistas.

      O sempre a que me refiro não é sempre, sempre mesmo. É um sempre que acontecia havia uns três anos. Portanto, estava ainda bastante distante do sempre absoluto, sinônimo de eternidade. Mas era um período de tempo considerável. Período esse em que sua vida se resumia a tentativas – frustradas – de obter o amor dela.

      Durante todo esse tempo, os sentimentos de esperança e tristeza misturavam-se constantemente dentro dele. Gradativamente, entretanto, apesar de tanto esforço, a tristeza já vinha esboçando poder reinar absoluta, imponente. E, se isso acontece, seu coração apresentaria características de monarquia absolutista, na qual existiria a tristeza, apenas ela, como detentora de todos os poderes. Depressivo, não? Sim, sim.

       Num dia qualquer, ele foi andando pela rua enquanto matutava sobre o que fazer para conseguir o amor dela. Bombons? Já usara. Pichar o prédio mais alto da cidade com o nome dela? Muito brega, não adiantaria. Pular do apartamento dele, no décimo oitavo andar, e deixar um bilhete creditando sua morte à não-correspondência de tanto amor? Isso! Era isso! Era isso? Não, não era isso. Radical demais. Ele já estava enlouquecendo.

      Continuou andando e viu uma barraca. Ele nem observou direito do que era a barraca, não era esse seu interesse. Do nada, ele deu um chute, daqueles bem fortes, num pau. Chutara, então, naquele momento, o pau da barraca. “Ah! Não vou mais dedicar minha vida a essa mulher. Ela não merece tanta dedicação. Minha vida é muito maior que isso! Vou, viver, simplesmente viver, só para mim”.

      Pronto! Mudou radicalmente seu modo de enxergar o mundo. A rapidez com que ele conseguiu esquecer a mulher foi impressionante. Seguiu sua vida... Seu coração já apresentava, em vez da monarquia absoluta, um socialismo maravilhoso. Eram fantásticos o equilíbrio e a homogeneidade de intensidade de seus sentimentos.

      Porém, contudo, entretanto, em poucos dias ficou sabendo de um concurso que ocorria anualmente e distribuía quinhentos mil dólares ao vencedor. Era um concurso de escultura, justamente seu maior hobby e uma das atividades em que ele se saía melhor. Dedicou-se integralmente, queria ganhar o prêmio; nem tanto pelo prêmio em si, sua situação financeira era bem boa, muito mais pelo reconhecimento do seu talento. Então, do coração dele voltou a tomar conta um só sentimento – a esperança. Única, lá estava ela, fazendo sua vida recomeçar a ser resumida em apenas uma meta. Dessa vez, a vitória no concurso.

      Preparou-se, pensou em tudo, calculou, esculpiu, retocou, entrou no concurso, foi julgado, perdeu. Era um concurso difícil. Mas havia um outro desse mesmo concurso. E nem faltava tanto tempo... Trezentos e sessenta e seis dias, um aninho bissexto só. Preparou-se mais, pensou mais em tudo, calculou mais, esculpiu mais, retocou mais, entrou no concurso com mais esperança, foi julgado com mais atenção, perdeu igualzinho.

      Mal perdeu, já começou a bolar táticas para entrar com mais chances no concurso do ano seguinte. Estava obcecado, exatamente do mesmo modo como ficara pela mulher por três anos.

      Preparou-se muito mais, calculou muito mais, esculpiu muito mais. Foi retocar. Trancou-se em seu escritório, local em que fazia todo o trabalho. Iniciou o retoque na escultura. Ia pegando a argila num balde, a tinta em outro, então se levantou. Observou bem aquele balde no qual estava a argila e resolveu chuta-lo. “Cansei, não vou mais participar de droga de concurso nenhum!”, falou. E pegou o pincel, mergulhou na tinha preta e rabiscou na escultura o seguinte vocábulo: “Cansei”. Depois chutou o balde da tinta também.

      Parou para pensar. Foi pensando e se perguntando a razão de tanto sofrimento, de ter objetivos de tão difícil realização. Refletiu sobre como parar de ter alguma meta principal na vida. Percebeu que era impossível. Deduziu, então, que, caso tivesse como objetivo principal de vida algo perfeitamente acessível, certamente seria feliz. E era isso o que ele, realmente, buscava.

      Legal! Agora tinha a chave que abria a porta de seu coração, e poderia dá-la à felicidade. Para isso, ele foi bem simples: colocou na cabeça que precisava conseguir, sob qualquer custo, uma caneta azul! Aquilo era seu desejo, seu sonho maior.

      Não hesitou! Calçou os tênis, amarrou-os, foi até a papelaria mais próxima à casa dele e comprou! Uma caneta azul! Ah, quanta alegria!

      Voltou para casa e deitou-se na sua cama. E lá ficou, contemplando e contemplando aquela caneta, aquele seu objetivo de vida, aquilo que era tão importante para ele e que havia conquistado. De seus olhos saíam lágrimas felizes.

      Ficou lá por muito, muito tempo! Vivia a felicidade em seu estado pleno, coisa que todos buscam e raros são aqueles que conseguem. Aí, tocou o telefone. Era a mulher que amara por anos. Ela disse que desejava passar toda a vida na companhia dele. Ele respondeu “E daí?”, desligou o telefone na cara dela e deixou-o fora do gancho. Aí, chegou uma carta. Estava escrito, basicamente, que ele havia ganhado o concurso de escultura. Um amigo dele entregara a obra ao concurso e ela fora escolhida como ganhadora pela originalidade. Todos ficaram impressionados e atribuíram os mais diversos significados à palavra “Cansei” da escultura. Ele rasgou a carta e retornou seu olhar à caneta azul.

        Contempla a caneta da forma mais feliz possível até hoje. Eventualmente, come, dorme e observa o resto do mundo. Mundo que corre tanto atrás dos objetivos mais absurdos, mais inalcançáveis; mundo masoquista, que não entenderia uma felicidade gerada por uma tão simples caneta azul.

Bruno Bracco

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