A mãe ergueu-se da cadeira, com a criança no colo, pegou
o papelzinho com a palavra Neurologia e foi saindo da sala. De costas,
sua figura encolhida, sentiu o peso dos olhos do profissional, num prazer
sádico. Pensamentos confusos se amontovam. Mas eu não disse
que ele nasceu preto, que não chorou ou que tem convulsão.
Em medicina, escuro é preto? Eu não tinha condições
de detectar a cor do nenê. Será que ele não verificou
o prontuário? Por que então intnerrogou?
Teve pena daquela criança, de moleira fechada antes da hora, rondada
por maus presságios. Com quais defesas contaria? Uma criança
que nasce condenada, deveria viver? Teve vontade de jogar no chão
aquela massa infeliz... Mas não podia fraquejar. Onde estaria aquela
força que a impediu de abortá-lo?
O bebê infeliz, que nunca tinha um sorriso, contava apenas com o
tempo. Mesmo quando a mãe tentava aconchegar-se a ele, falar-lhe,
embalá-lo, sentia que ele continuava sozinho. Sua audição,
acima do normal, perturbava-o. Ele lutava numa corrente dura. A mãe
conhecia a sua luta, mas não podia ajudá-lo. A luta era dele.
O casal convidado pelo pai da criança, para batizá-lo, recusou-se
por causa da mãe. Disse que tomava o batismo por uma coisa séria.
Na Neurologia, depois de duras provas, foi decretado que o bebê era
sadio. Dia a dia, hora a hora, o bebê florescia. A mãe renascendo
com ele, respirando com ele, vivendo por ele.
No primeiro aniversário, o bebê tinha vencido tudo. Fora vencedor
de sua luta. Esperto, inteligente, sensível, amoroso, metódico,
disciplinado e qualquer coia mais. A ronda terminara.
— Você é mamãe pata?
— Sou.
— Mamãe pata, tudo mundo fala que eu é feio. Eu é
feio?
A vida continuando. Na luta do dia a dia. Na luta do trabalho. Na luta
do adverso.
Ao filho mais velho, o pai disse diante de olhos assusntados:
— É por causa de sua mãe que vou embora. É por causa
dela que vocês vão ficar sem pai.
A mãe ouviu atônita. Sabia que se relacionavam mal. Mas não
contava em ouvir isso nesse momento. Ao aproximar-se, levou um tapa no
rosto. É verdade que tinha um rosto por demais inocente. Mas nascera
assim. Não era culpada disso.
Seu coração ficou pequeno, fechou-se duro.
O marido ao sair, demorou-se na porta, mais que o necessário, mas
ela não o olhou pela última vez. Um tem que ser forte. Que
estranho é o ser humano! Que estranha é a vida!
Como havia ainda um pouco de sol, ela voltou a por as fraldas no varal.