O telefone toca. Ela atende. Ninguém fala. Ela quase grita, fazendo
esforço para elevar a voz: "alô!" Silêncio do
outro lado da linha. Ela repete. Nada. Inquieta-se. Aproxima ainda
mais o telefone ao ouvido. Escuta, ao longe,
uma melodia. Música clássica. Ela não conhece
música clássica, mas gosta do que ouve. Continua atenta,
inquieta. Desiste de falar, pois sabe que não haverá
resposta. Os minutos se passam. Ela continua em pé, na
sala, segurando o telefone de um lado e a vassoura do outro. A música
dá uma moleza. Ela sente vontade de
fechar os olhos. Não é sono. É uma moleza boa.
Um carinho que "arrupia" o corpo. Fica distraída, como nos dias
de domingo na igreja. Nem sente os pés no chão, de tão
leve. De repente a porta do apartamento se abre,
fazendo um barulho que a faz voltar ao chão. É a patroa.
Ela bate o telefone, nervosa. Tarde demais. A
patroa-alta-bem-vestida se aproxima, vermelha de raiva. Grita que não
acha dinheiro na rua pra uma "cunhã"
qualquer ficar pendurada no telefone. Que a casa está uma bagunça.
Que ela não faz nada direito. Uma
sucessão de palavras gritadas, um grito fino e irritante. Erionildes
não consegue ouvir metade. A cabeça baixa,
os braços inertes, a voz presa na garganta, uma névoa
ao redor dos olhos. Ouve a última frase: "vou ter que
descontar do teu salário". Ela permanece calada, sem saber o
que dizer. A patroa manda-a terminar a limpeza.
"Sim senhora", responde sem força. Volta a varrer a cozinha,
sem conseguir chorar. A melodia não sai da
cabeça. Se ao menos ela soubesse assobiar...
Ricardo Borges