Ele amanheceu diferente... um ar desconhecido no rosto e uns olhos que não se sabe se eram tristes ou soturnos. Saiu à rua e se atirou entre os carros e telefonou pro meu irmão, fez perguntas sem sentido, fez alarde de coisas inconcebíveis. No dia seguinte, um recado em minha secretária avisava que ele estava internado em um hospício próximo à minha casa. Eu liguei, mas soube pouca coisa dele, era um porre, disseram, um porre homérico de cachaça com coca-cola. O médico plantonista me disse que o alcoolismo seria tratado. "Tenho que visitá-lo" , pensei, mas não fui no sábado e nem no domingo e nem na segunda. Terça feira ele telefonou e me disse que eu deveria ir até lá para que ele pudesse me explicar o que estava acontecendo, que a irmã dele, minha tia, o havia internado pensando que ele estava louco, que a Kátia, que eu não sei quem é, tinha desligado o laser que mirava o prédio dele, mas que a qualquer momento ligaria de novo, que eu devia ligar o celular, caso não fosse da Telemar, por que senão teria escuta, e prestar atenção que eles entrariam em contato. A Kátia, segundo ele, morava na dois de dezembro número cinco e seu escritório, de onde sairia o raio destrutivo, ficava na Almirante Tamandaré, eu não lembro o número e por falar em números, ele me deu outro 117.028 ou coisa assim, que eu anotei antes de perceber a estranheza da situação, que era um código, mas ele não sabia o que estava codificado e eu não insisti em saber, ele havia escutado alguma coisa no ar e ficava pedindo que eu fosse lá, ficava implorando pra eu ir, que eu tinha que acreditar, que a minha tia não cria, que o médico ria, mas eu não fui, por que nunca vi uma ressaca tão longa e por que eu estava sóbria o suficiente pra acreditar. Então eu peguei o número anotado e joguei no bicho.
Patrícia Evans
Setembro 3, 2002