O grande absurdo

Qual o sentido, a mesma pergunta, sempre e sempre. No espelho um rosto irônico, uma expressão ridícula, quase uma careta. Ele se olha com um misto de desdém e complacência. Não é essa a palavra. Talvez tédio, um tédio vago e profundo, refletido nos olhos sombreados, um não querer pensar, nem ao menos sentir. Mais um dia de trabalho insano, o mesmo de anos e anos que se acumulam e formam uma massa pesada sobre seus ombros magros. Estes momentos que antecedem ao que ele chama de Grande Absurdo são insuportáveis. Se aquelas pessoas lá fora imaginassem o esforço que faz para se manter ereto, o corpo ágil, apesar deste peso que parece aumentar mais, cuvando-lhe as pernas. De que ri esse outro no espelho? Claro, ele é motivo de risadas, sabe-se ridículo, ridículo profissional até. O outro zomba dele, de sua velhice, de sua calvície acentuada, de sua barriga proeminente, de suas frustrações e angústias, que não condizem com sua aparência cômica. O outro no espelho ri alto, para todos ouvirem, uma gargalhada sonora, a ponto de obrigá-lo a tampar os ouvidos com as mãos e a virar o rosto com horror. O riso metálico continua, não adianta se esconder ou fugir. É o prenúncio, as trombetas que anunciam o seu inferno. Logo tudo começará novamente, as mesmas situações embaraçosas, o ridículo de tudo aquilo, a falta de sentido. Como um robô à beira de um curto-circuito, executará mecanicamente as mesmas tolices, os mesmos absurdos e depois voltará ao vazio de seu quarto escuro para retirar a máscara que esconde um rosto cinzento e enrugado. Nem sempre foi assim, claro. Mas é que um dia todas as paixões parecem se desvanecer, evaporar e o que sobra é a vontade que o tempo passe o mais rápido possível. Não quer se lembrar, não quer pensar. Só alguns minutos e logo estará de volta, para a escuridão, para o silêncio, odiando-se como sempre por ser isso em que se transformou e outros pensamentos recorrentes que giram em órbita nestas horas. Ajeita o colarinho, curva-se para apertar os nós dos sapatos. Já não ouve a gargalhada, quase não enxerga o que está ao redor. Gritam seu nome, já estão lhe esperando. Dá um suspiro profundo e segue adiante, com os passos incertos, feito um condenado, que neste caso irá cumprir sua autopunição. Atravessa a cortina e corre desengonçado. Logo é acertado violentamente no rosto por uma enorme torta. Que grande absurdo é a vida, diz baixinho, enquanto ecoam risadas opressoras no circo.

Ricardo Borges

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