A cassiberoaba
 
            Não podia ser, não podia ser, estava nascendo! No Túlio.

            Ai, caramba, ai, caramba, como podia estar acontecendo isso com ele? O que ele tinha feito para merecer tamanho castigo? Sempre fora tão bondoso e agora estava lá, prestes a ver em si surgir uma cassiberoaba.

            Ele foi trabalhar com aquilo na cabeça, a cassiberoaba. Não, não literalmente, ela estava em outro lugar do seu corpo — mas não saía dos seus pensamentos. Seu rendimento naquele dia não foi o de costume.

—         O que está acontecendo com o Túlio? – perguntava um.

—         O que está acontecendo com o Túlio hoje? – perguntava outro.

             Perguntavam-se, até que alguém resolveu perguntar ao Túlio.

—         É só um mal-estar. Nada de mais.

            Voltou para casa e foi rapidinho a um espelho. A cassiberoaba estava maior. Oh, Deus, por que com o Túlio, justo com o Túlio, sempre tão justo? O que ele havia feito? Tantos por aí que mereciam mais... Mas não havia mais tempo para lamentos: era encarar a realidade.

            No dia seguinte o Túlio se encheu de roupas. Botou blusas, casacos e cachecóis para esconder a cassiberoaba. No trabalho, “será que o Túlio ‘tá doente?, será que o Túlio ‘tá doente?”.

            Nos dias que vieram depois foi a mesma coisa. Menos vinte, zero, vinte ou cinqüenta graus e o Túlio de blusas, casacos e cachecóis.

            Num certo quando, porém, por distração ele deixou um pedacinhozinho de cassiberoaba exposto. O João, vivo, percebeu e pensou: “Ai, coitado, o Túlio ‘tá com uma cassiberoaba...”.

            Aquela distração se repetiu, o Túlio não estava acostumado com tantas blusas, casacos, cachecóis. A Maria percebeu a guardou a percepção só para si, por dó. A Joana percebeu e fez o mesmo que a Maria. O Tiaguinho percebeu e fez igual à Joana e à Maria. Foram todos percebendo e, em pouco tempo, a empresa inteira já sabia. Mas todos guardavam o conhecimento para si.

            Um mês exato depois que o último já percebera, o Túlio se arrumou com as blusas, casacos e cachecóis como sempre. Já estava saindo de casa quando sbleft!, uma pomba defecou – pomba defeca? – uma pomba defecou bem no nariz dele. Foi à pia se lavar, checou no espelho se tinha limpado tudo direitinho e foi ao desespero. A cassiberoaba estava visível!

            “Ufa!, que sorte que existem pombas!”, agradeceu.

            Após a empolgação inicial, porém, o Túlio notou que aquilo não devia ser simplesmente devido ao acaso, à distração de um dia. Muito provavelmente aquela distração já vinha acontecendo havia algum tempo e o dia em que ele a percebeu nada mais fora do que um dia, como tantos outros, em que a distração ocorreu; de especial naquele dia só o fato de ele ter notado sua falha.

            Oh, todos sabiam, todos sabiam, e agora o que fazer?

            Enquanto o Túlio vivia esse drama, o João notou alguma coisinha diferente no seu corpo. Precavido, foi ao médico, diagnóstico rápido, cassiberoaba. “Mas essa é uma cassiberoaba especial, ela é incurável e pode ser transmitida pelo ar”, informou o doutor, que rapidamente se diagnosticou a si próprio e constatou que também havia contraído a cassiberoaba. Ela iria começar a se manifestar dali a um mês, mais ou menos.

            No serviço, um dia depois, o João falou a todos que achava a roupa do Túlio super-fashion. Ele também começou a ir,
desde então, com blusas e cachecóis trabalhar.

            A Maria também descobriu que se contaminara. A Aline também, o Pedro, o Everaldo, a Clélia, todos, as famílias de todos, os amigos das famílias de todos, as famílias dos amigos das famílias de todos, etc. A moda das blusas e cachecóis dominou o escritório do Túlio, atravessou os oceanos, dominou tudo de pólo a pólo.

            Os hotéis litorâneos e clubes com piscina em geral foram à falência. O fisiculturismo acabou. As revistas de nudez se substituíram pelas de corte e costura, com novos modelos de cachecol a cada mês. As pessoas se resguardavam demais, guardavam para si o problema. Passados nove meses, a taxa de natalidade em termos mundiais caiu vertiginosamente.

            Assim ficou, até que um médico da Coréia do Norte veio a público e se despiu, dizendo que havia contraído a cassiberoaba e havia se curado enquanto mostrava uma cicatriz bem clara. Ele não tinha noção das dimensões do problema: como todos se resguardavam, achava que apenas ele estava com a doença. Informou que havia descoberto a cura daquela cassiberoaba antes incurável e começou a procurar uma cura para sua mulher, que tinha dores de cabeça diariamente havia algum tempo.

            Tão logo foi a público, autoridades norte-americanas ligaram para o médico ordenando que ele divulgasse a receita da cura para o mundo. Com a possibilidade iminente de enriquecer, o médico respondeu que só ensinaria a receita caso fosse indenizado com uma quantia enorme.

            Tudo já estava em vias de se acertar quando o governo socialista norte-coreano interferiu na questão. Prendeu o doutor em uma base militar e informou que ele só sairia de lá caso os Estados Unidos cedessem o Alasca, que ficava lá pertinho mesmo. Claro, os norte-americanos recusaram e invadiram o território coreano.

            Alguns que tinham tecnologia para a produção de bombas começaram a fabricá-las, sob comando dos governantes da Coréia. Em pouco tempo, lançaram-nas na Inglaterra, que também falava inglês. Enquanto isso, as pessoas foram se acostumando com o novo problema e começaram a assumi-lo. Ninguém mais tinha vergonha da cassiberoaba.

            A guerra, porém, já estava instaurada. Ganhou dimensões mundiais e o Túlio, com um largo sorriso, de sunga via bombas sobrevoarem o litoral do Brasil.

Bruno Bracco

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