Estava cansada de sua rotina. Acordava de manhã e todo dia era a mesma coisa: de casa pro trabalho, do trabalho pra casa. Ia se deitar imaginando que esta não era a vida que tinha sonhado para si. Justo ela, que gostava tanto de desafios. Há muito tempo não encontrava nada que a desafiasse. Ou pior, em sua vidinha não aparecia ninguém que a resgatasse do marasmo em que estava atolada e a fizesse viver, não apenas existir. Mas um dia, a vida mostrou-se cheia de som e fúria. Ela abriu o chat como sempre fazia. Até a tecnologia já havia caído na rotina: as mesmas pessoas de sempre, o mesmo papo de sempre. O pior é que ela já não sabia viver sem aquela mesmice. Teclando o de sempre, com as pessoas de sempre, uma janela se abre na tela do seu computador. Fora adicionada a uma conversa sem aviso prévio. Sentiu-se envadida. Como alguém poderia ter feito aquilo sem lhe comunicar? Resolveu abrir a janela para bronquear com seu invasor. Surpresa. No caos instalado naquele cubículo virtual, não conseguia distinguir ninguém. Sua presença mal foi percebida. Sntindo-se a invasora, e não mais a invadida, retirou-se. Ela era mesmo um inseto insignificante na vastidão da epiderme universal. Ninguém a tinha notado. Mas uma outra janela retirou-a de seus pensamentos e a fez acordar. Era um dos inúmeros participantes da Torre de Babel da qual ela acabara de se desconectar. Mais um ilustre desconhecido que em breve se tornaria um simples conhecido, assim como tantos outros. E foi assim que conheceu João. Quando leu o nome dele, sorriu. Seu coração se abriu e ela entendeu que finalmente alguém especial havia chegado. Na verdade, João havia chegado. Desde pequena se sentia perigosamente atraída por João. João do pé de feijão. João Batista, um pós-moderno que viveu antes de Cristo. João Gilberto, o genioso cantor. João. Acreditava que por parecer um nome tão comum, todo aquele que carregava consigo esta marca acabava por se tornar especial. João despertou nela a certeza de que não adianta levar o mundo nas costas. E ela descobiu que ele era encantador, porque a encantou. E, depois de muito tempo, João a desafiou. O tempo que passavam conversando era uma espécie de rafting mental pra ela: sentia-se descendo as corredeiras do Niágara, mas num ritmo maravilhosamente encantador. Coisas de João. Ele também a divertia. A maneira como enxergava a vida e o mundo, faziam dele alguém ainda mais especial. Coisas de João. E João, assim como aquele do pé de feijão, escalou a mesmice que a amarrava, e assim como o herói da história infantil, cortou este mal pela raiz. Coisas de João. De casa para o trabalho e do trabalho pra casa. De sua face sem João para sua face sem João. Da expectativa para o estar com a motivação: João. Coisas de João. E a cada dia, ele a preenchia. E a cada dia, a um novo desafio ela se permitia. E a cada dia, um grande amigo, em João, ela descobria. E a cada dia, mais encantadoramente estimulada ela se percebia. Enfim, descobriu no momento em que se achava mais cansada, um amor pra recomeçar. Coisas de João.
Renata Cabral