Ela já sabia. Via isso no fundo de todas as histórias. Sabia que num Sábado qualquer seria esquecida detrás de umas cortinas rendadas. Sabia como alguém que passou a vida inteira imersa numa espécie de sonho. Sonho e temor de um dia abrir as cortinas e perceber que o sonho havia terminado. A vida se repete não apenas com suas vogais e consoantes, mas também com os sujeitos e predicados. Repetia-se na sintaxe e na morfologia. Uma ironia da semântica! Mas ninguém se pode dar por satisfeito com o conhecimento puro e simples, daí a razão em arriscar-se a novas experiências.
Foi assim que ela sentiu que entre o signo dela e o dele havia uma possibilidade. Falavam das mesmas coisas, tinham os mesmos ideais, eram humanos e talvez, um pouco tristes. Por que não acreditar no amor e misturar suas histórias?
Tornaram-se estreitos. Todos os dias derramavam juras de amor eterno. Eram bilhetes, flores, emails, fotos, aixas de presentes, trilha sonora, letras de músicas cuidadosamente estudadas e risos, muitos risos.
Os dias eram feito de descobertas. Ela descobrira o nome das estrelas, todas as constelações e todo o mistério culto no homem. Descobrira o inconfessável, a dimensão da atmosfera humana e o ponto exato onde tudo se finda e recomeça. Descobriu uma geografia de planícies e planaltos onde escrevia poemas intermináveis.
Mas, de descoberta em descoberta, descobriu que ele tinha amigos, parentes, uma casa de campo e trabalho, muito trabalho. As noites e finais de semanas iam sendo preenchidos por essas necessidades de primeira grandeza. Depois justificava tudo com uma mensagem breve. Um "alô" de vez em quando e frases prontas para que ela continuasse a lhe devotar amor. Era bom ser amado por ela, uma mulher capaz de alcançar o ponto mais extremo. Era agradável ter essa segurança. Porém ela não era mulher que se contentasse com tão pouco. Não era mulher acostumadas a períodos de silêncios. Preferia a solidão às migalhas. Precisava de um homem que continuasse a adivinhar seus desejos e a surpreende-la com situações inesperadas. Não queria aquela vida assustadiça movida pelo toque do telefone. Não queria passar noites inteiras olhando para o celular, contorcendo-se na cama entre suspeitas e saudades. Não! Ela queria e merecia ser amada de forma total.
Uma poeira fina passou a embaçar-lhe olhos. O amor foi ficando distante e ela já não conseguia reconhecê-lo. Os desenganos, por si mesmo, foram matando os desejos. A afetividade, os sonhos desintegravam-se aos poucos no ar. Mas a primeira célula ainda estava lá, viva como uma semente fecundada na terra. Era preciso matá-la! E o instante do punhal era sempre dolorido. Talvez ele jamais ousasse esses requintes. Não tinha coragem para tal crueldade. Sim, era terrível assassinar a esperança! Mas ela tinha um quase prazer em praticar esse ato de violência. Era feroz, selvagem e vingativa como toda fera acuada. A angústia interna superava o bom senso. Era perceptível os lobos dentro dos espelhos ocupando o espaço dos sonhos. Artimanhas e temperamento.
A morte foi rápida. Deu-se num Sábado chuvoso. Bastou uma faísca, um relâmpago no olhar e, de repente, estava exposto o pior. Os olhos dela ficaram brilhantemente úmidos, a sensibilidade de um nervo exposto e o desconforto de se sentir metade, outra vez. Tirou o batom, o rímel, o sapato, sentou-se na cama e chorou. e repente quebrou-se o encanto e ela virou um bicho desamparado. De repente, um bichinho frágil e tão pequeno que a gente olha e tem pena.
Lucilene Machado