AS VEIAS DOS CONDENADOS
            "Com as injeções letais, o réu é sedado antes de receber uma dose mortífera de uma substância química paralisante. Apesar das injeções letais serem consideradas mais humanas que qualquer outro método, já houve casos em que os carrascos demoraram para executar a pena, porque não conseguiram encontrar as veias adequadas nos braços dos condenados".
        "Segundo mamãe, você é muito velho para mim.
        "Sim, eu era muito velho para ela. Ela poderia ser minha filha. Dei-lhe chocolates, um soneto e uma carta amorosa.
        Olhando as linhas de suas mãos, eu disse que ela teria uma vida muito longa.
        — "Como você sabe?", indagou rindo.
        — "Eu sei o tempo que resta às pessoas...", também sorri, de maneira mistificadora.
        — "Sou de touro", o signo, ela informou. Li para Júlia o recorte do jornal sobre inujeções letais, sublinhando o final: "Já houve vários casos em que os carrascos demoraram para executar a pena, porque não conseguiram encontrar veias adequadas nos braços dos condenados.
        — "Todo mundo morre", observa a moça de vinte anos, muito nova para mim, cinqüentão, segundo sua mãe. Penso no condenado, no carrasco e nas veias difíceis. Todas as informações me contaminam, me invadem, me poluem. "Me fazem sofrer", avalio rindo, e olho o horizonte.
        "Sempre os mortos me cutucando", monologo, lembrando-me do tempo, dos dias que se sucedem, da velhice próxima, do esforço para fazer um belo soneto, das veias de todos os condenados do mundo.
        — "Júlia", eu falei: "Queria ler para a senhora sua genitora estes versos de Drummond" (ela olha para mim, um pouco distante, olhos bem morenos, boca com muito batom e calça jeans).
        — "Lê".
        — "É isto, o amor, o ganho não previsto".
        Eu não me importava que ela não conhecesse poemas, que nada comentasse após a leitura, pois bastava seu olhar, ela mordendo os  lábios, astuciosa.
        — "Amor é o que se aprende no limite."
        Enquanto lia, como algo irremovível, eu continuava pensando nas difíceis veias dos condenados.

Emanuel Medeiros Vieira

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