A PONTE DA ESPERANÇA

A Dama esperou que seu motorista abrisse a porta do carro, uma luzente Ferrari vermelha. Ele colocou a pequena mala no carrinho e perguntou se ela queria que a levasse até o balcão de passageiros. Ela agradeceu e desenvolta dirigiu o carrinho com a mala e desapareceu entre as pessoas que entravam ou saiam do aeroporto. Olhou as indicações de horários e constatou que chegara cedo, pois teria de esperar ainda 45 minutos pelo avião.
A Dama dirigiu-se ao guichê da Aerosul, entregou a passagem e recebeu o ticket da mala. Estava nervosa. Afinal, nunca tivera uma decisão tão repentina como aquela. Sorriu ao ver-se no espelho de uma loja. Era bonita, apesar de não ser mais jovem. Entretanto, o trato, as roupas que vestia, o porte elegante o sorriso cativante faziam dela uma mulher muito especial. Mas, especial mesmo, era sua personalidade esfuziante, uma aura que a todos encantava. Era mulher acostumada aos olhares de curiosidade ou admiração. Por que despertaria essa secreta admiração por onde passava? Perguntava-se... Sua elegância? Seu ar feliz? A pele clara, os cabelos dourados e prateados? Não sabia, mas foi por tudo isso que decidira ir ao encontro daquele jovem lá no Piauí, seu namorado virtual pela Internet... Relembrou: conversaram sobre tudo e sobre eles mesmos durante dois longos anos e o afeto foi-se aprofundando a cada dia, a ponto de se confessarem apaixonados um pelo outro. Parecia que as diferenças de idade desapareciam quando ficavam frente à telinha e amavam as palavras ali escritas pelos dois.
Por isso, em dado momento, ela tomou a decisão: Iria ao encontro dele para o amor ou para o caos... De repente, uma coragem maior do que a realidade sobrepujou as dificuldades e as dúvidas. E ali estava ela, no aeroporto de sua cidade, no interior de São Paulo para buscar o destino.
Como seria recebida? Não avisara o Amado sobre sua viagem. Preferia fazer surpresa.
Não, não iria à casa dele. Ela sabia o horário e o trajeto que ele costumava fazer, quando retornava do trabalho para o  apartamento de sua família... Conhecia-o pelas fotos, julgou que seria o suficiente.
Ela reservara o melhor hotel da cidade e sabia que encontraria um clima de calor senegalesco e por isso colocou na mala roupas muito vaporosas e em cores que a favoreciam. Não esqueceu o amplo chapéu de palha italiana, com rosas vermelhas...
Queria encantá-lo de chegada!
Enquanto enlevava-se em pensamentos o tempo passava rápido. Logo viu-se em pleno vôo e uma rápida escala. Atravessou mares e céus e sentia-se como um pássaro raro a transpor o Atlântico...
De chegada, percebeu que aquele era um outro mundo, muito diverso do seu. Havia muita pobreza por onde passava e o grande desnível social era flagrante. Havia mansões, mas também prédios decadentes. Um outro Brasil  descortinava-se ali. As pessoas eram escuras de pele, sem serem negras, apenas tostadas pelo sol escaldante e uma magreza própria da desnutrição. Este quadro chamou sua atenção e comoveu-se. Sentiu os olhos úmidos quando examinava a população humilde do lugar.
O hotel era de categoria 5 estrelas, portanto ficou aliviada com o conforto encontrado. Na suíte ampla e refrigerada, percebeu uma cama de casal muito bem posta, as cortinas nas janelas eram leves e uma porta dava para o terraço, onde se avistava parte da cidade e o rio... Respirou fundo. Estava ali, a um passo do seu amado. Louca? Se suas amigas e parentes soubessem da sua ousadia, diriam que ela estava louca... Olhou-se no espelho do toucador. Sorriu e a mulher que viu ali, era bela e feliz. Não era o bastante?
Sentou-se na cama e foi descalçando os sapatos, tirou delicadamente as meias das longas pernas, bem torneadas,  a saia, o casaco, o sutiã e viu-se nua em cima daquela cama... Deitou-se nas cobertas macias e esfregou-se ali como se o fizesse contra o corpo do amado. Estava muito excitada e deslizou as mãos pelo próprio corpo, numa carícia alucinante... Olhou as horas e viu que poderia descansar umas quatro horas, antes de ir aquela ponte, onde certamente ele passaria de volta para casa... Planejava uma longa e ardente noite de amor. Iria mostrar-lhe todas as seduções de que uma mulher seria capaz! Nua assim, atirou-se na cama e dormiu como uma criança, sorrindo...
Despertou meia hora antes do planejado e correu ao banheiro para tomar um rápido banho. Produziu-se com pouca maquilagem, mas pintou os lábios na cor vermelho laranja, na forma dos seus lábios, em coração... o detalhe fazia um belo contraste  com a pele alabastrina.
Colocou um vestido leve na cor azul noite, estampado com minúsculos ramos de flores em rosas, amarelas e vermelhas.. Completou o traje com  sandálias douradas de saltos baixos, deixando os pés com as unhas bem feitas e vermelhas, à mostra... Penteou os cabelos sedosos, curtos e cheios. Colocou os óculos escuros espelhados e cuidadosamente arrumou sobre os cabelos  o amplo chapéu de palha italiana que emoldurou seu rosto de uma forma agradável e bela. Olhou-se no espelho: Um quadro de Renoir? Sorriu vaidosa...
Antes de sair colocou o perfume predileto, Loulou... Desceu o elevador para o salão e sua passagem foi saudada com cumprimentos e olhares de admiração.
Saiu para a rua e sentiu as pernas tremerem... Será que faltaria coragem, justamente agora, que já estava quase chegando a alcançar o maior sonho de sua vida? Não, dizia ela para si mesma. Foi perguntando pela ponte da Esperança, conforme ele lhe dissera. Ninguém sabia informar onde ficava... Não conheciam e o pior de tudo, ela sentiu-se só e perdida naquela cidade estranha.
Teve vontade de gritar  o nome do Amado, mas conteve-se. Foi andando, andando, na direção do rio. Um rio onde não havia nenhuma ponte, mas ela intuiu que deveria ser por ali... De repente, viu-se entre uma multidão de rostos que ora sorriam ora a olhavam maldosos ou atrevidos. Ela começou a suar, o calor era insuportável... Tinha vontade de fugir, de atirar o chapéu no rio e correr descalça de volta para o hotel e tomar o primeiro avião para casa... Parecia que haviam milhares de Amados, rostos todos semelhantes, como o reconheceria? Os olhos foram enchendo de lágrimas que escorreram pelas suas faces, misturadas com o suor... Sentiu-se desfalecer. Sentou-se na beira da calçada e um homem jovem chegou-se a ela e perguntou:
— Sente-se mal, minha senhora?
Ela o olhou, atrás dos óculos escuros espelhados e reconheceu o Amado. Mas seria ele, mesmo? Não ousou perguntar, nem respondeu... se era ele, não a reconheceu. Perguntou onde ela morava e se queria que a levasse de volta para o hotel.
Num fio de voz, ela respondeu: — Não... já estou melhor. Obrigada... já vou indo...  Levantou-se, ajeitou o vestido, tirou o chapéu e voltou só para o hotel, sem olhar para trás, com o coração em frangalhos... No rosto, suor e lágrimas apenas...

    Tenini

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