Close no vidro da máquina de lavar roupas em movimento. A câmera
afasta-se em zoom e mostra o palco. O cenário é uma lavanderia.
Surge a apresentadora, carregando um cesto de roupas. A platéia
bate palmas e solta gritos histéricos.
— Boa tarde, Brasil! Está começando mais um Lavanderia
da Cláudia, oferecimento do Sabão Coco Real, este você
realmente sente o cheiro. Huuummmm! Vamos juntas lavar muita roupa suja,
porque é disso que o Brasil está precisando.
Mais palmas da platéia. Ela coloca as roupas dentro de uma das
máquinas.
— Vamos chamar a nossa primeira convidada. Pode entrar, Jandira.
Palmas.
— Jandira, minha querida, traga as roupas. Coloque aqui dentro, isto.
Venha sentar, enquanto a máquina trabalha. Não é um
luxo? A Jandira, gente, desconfia que o marido está traindo ela.
Não é isso, Jandira? Mas explica pra gente, por que você
acha isso? Você tem alguma prova, viu alguma coisa?
— Prova eu não tenho não, Márcia, mas estou desconfiada
que ele tem outra mulher. O Arnaldson anda estranho, não me procura
mais... Outro dia ele até falou o nome de uma mulher enquanto dormia.
Acordou todo suado e começou a chorar.
— E qual era o nome dela?
— Kátia.
— Você conhece alguma Kátia?
— Não.
— Vai ver era só um pesadelo.
— Pesadelo virou a minha vida com essa incerteza. Ele até largou
o emprego, Márcia.
— Largou o emprego? Mas por quê?
— Ele disse que não agüenta mais, que quer sumir no mundo...
— Ele trabalhava onde?
— Na universidade, era servente. Agora ele diz que quer sair de casa.
Deve ser pra ficar com essa tal de Kátia.
Vai me deixar sozinha com os sete filhos pra criar, me trocar por uma
vagabunda qualquer... Desculpa, Márcia, eu estou muito emocionada...
— Chore, pode chorar, faz bem. Produção, um copo d'água
com açúcar pra ela, por favor. Ele já traiu você
alguma vez?
— Não, o Arnaldson sempre foi bom marido, trabalhador, nunca
deixou faltar nada lá em casa. Não sei por que isso tá
acontecendo comigo, Márcia. Ô, meu Deus, o que foi que eu
fiz pra merecer isso?
— Calma, Jandira. A melhor maneira de se resolver é conversando.
É lavando a roupa suja que as pessoas se entendem. Por isso a gente
trouxe aqui o seu marido. Pode entrar, Arnaldson.
Palmas. Arnaldson entra acanhado, de cabeça baixa.
— Sente-se aqui, Arnaldson. Você ouviu lá dentro o que
a sua mulher falou, não ouviu? O que você tem a dizer?
Silêncio.
— Ele não fala nada, Cláudia. É assim o dia todo,
fica emburrado, na certa pensando na outra.
— Arnaldson, você conheceu outra pessoa?
Silêncio.
— Você está apaixonado por outra mulher? Fale, pode desabafar,
nós estamos aqui pra ajudar vocês a lavarem a roupa suja...
— Eu conheci uma mulher...
— Não disse, Márcia! Eu sabia, eu sabia! Cafajeste! Traste!
Imprestável! — Jandira chora convulsivamente.
— Onde você a conheceu?
— Na universidade.
— Ela é universitária?
— Não.
— Cachorro!
— Calma, Jandira. Sente-se, violência não vai levar a
lugar algum. Calma! Então, Arnaldson, você está pensando
em morar com ela? A Jandira tem o direito de saber.
— Eu gostaria, mas não posso...
— Miserável!
— Calma, Jandira, calma, é um momento difícil, mas a
gente precisa colocar isso em panos limpos. Por que você não
pode morar com ela, Arnaldson?
— Ela está morta.
— Ela morreu? Como??
— Eu conheci ela na Faculdade de Medicina, já faz uns quatro
mêis. Era linda, os cabelos louros, a pele branquinha, parecia uma
princesa! Fiquei apaixonado, não deu pra arresisti. Era bonita demais,
nunca vi belezura assim, desculpa Jandira, mas é verdade. Todos
os dias eu ia visitar ela. Ela ficava lá, parada, com aqueles olhões
azuis que parecia atravessar a alma da gente. Nunca soube o nome dela,
mas eu chamava ela de Kátia, ela tinha cara de Kátia, não
sei por quê. Uma dia me aproximei, fiquei bem pertinho dela e roubei
um beijo, um beijinho na boca. Passei uma semana pensando nela. Mas nosso
amor era impossível, não tinha jeito que desse jeito. Até
pensei em me matar, estava desesperado. Arresolvi largar o emprego pra
ficar longe dela. Até hoje
não consigo apagar ela do pensamento. Eu sei, é loucura,
não podia nunca dar certo, ela é morta e eu sou vivente...
— Como assim, quer dizer que ela era um cadáver da faculdade??
— Cadáver não, morta, a mortinha mais linda que eu já
conheci... — diz, contendo as lágrimas.
— Jandira! Produção, rápido, ela desmaiou. Meu
Deus, acontece de tudo neste mundo! Você se apaixonou por uma mulher
morta!! Que coisa! Acho que você precisa de tratamento, Arnaldson,
isso não é normal! Vamos tentar conseguir um tratamento pra
você com um psicólogo, um psiquiatra ou até mesmo um
pai-de-santo, por que não? Há muito mais coisa entre o céu
e a terra do que a gente possa imaginar, já dizia Vinícius
de Morais.
Pode ser uma macumba, um trabalho que fizeram, muita gente não
acredita, mas acontece. Por enquanto vocês vão levar uma caixa
do Sabão Coco Real, o único que dá o cheiro que sua
roupa merece. Aqui está. A Jandira tomou alguns calmantes e parece
que já está melhor. Obrigada pela presença de vocês.
Eu tenho certeza que tudo vai se resolver, afinal, pra tudo tem um jeito,
menos pra morte.
Arnaldson começa a chorar.
— Vamos para os nossos comerciais e daqui a pouco a gente volta com
o caso de uma senhora de 90 anos que virou prostituta pra sobreviver. Já
já, não saia daí nem morto!
Entra a vinheta do programa, uma máquina de lavar se tremendo, vazando espuma por todos os lados.
Ricardo Borges