A vida acomoda, a morte condiciona. Prefiro estar sempre passeando
entre a vida e a morte como um turista que se aproveita das delícias
de uma cidade nova, depois vai embora deixando pra trás o rastro
de sua luxúria, como gafanhotos em nuvem, sem remorso. Esse era
o lema de Stanley, um jovem rapaz cuja ocupação se limitava
a poucos compromissos: sobreviver e sentir prazer. Já sua irmã
mais nova, Julia, via o mundo por olhos estranhos, encarava o tempo como
uma eterna despedida, a cada passo que tentava não se apegar à
nada, acabava amando tudo de forma nostálgica e massivamente depressiva.
- Stanley - disse Julia - por que temos que morrer? Tenho medo
de perder você, tenho medo de perder minha consciência, tenho
medo da morte.
- O que faz você pensar que estamos vivos? E se fossem seus cinco
sentidos cinco indícios de que estamos mortos? O mesmo tato que
te induz ao orgasmo é o mesmo que provoca a dor e o frio, talvez
nós estamos nos dois lados da moeda, vivendo e morrendo ao mesmo
tempo; se estivermos mesmo mortos, você teria medo da vida?
- Não me prometa o Éden, já tentaram fazer isso
e não deu certo, não quero viver numa busca sem fim, a ignorância
é um preço alto pelo paraíso, não é
mesmo? Nem se eu trocasse a fé pela certeza eu seria confortada,
meu medo da morte é tão grande que eu poderia até
cometer um suicídio.
E seus diálogos duravam horas a fio, Stanley não conseguia
tirar de sua irmã a cruz do amor, ela continuava a conhecer novas
coisas e amá-las, consequentemente, o medo. Julia não podia
sentir prazer sem pensar no seu fim, mesmo assim Stanley insistia em proporcionar-lhe
mais prazer, satisfazia todos os seus desejos como se Julia fosse uma mulher
grávida e ele o marido bobo.
- Eu queria um sorvete de creme, com uma cereja em cima, igual ao que
eu vi na foto daquela revista - disse Julia com olhar de amêndoas,
até uma pedra de mármore, dura e fria iria amolecer e virar
escravo dela, seus desejos eram inegáveis, ainda mais para Stanley,
que pagaria qualquer preço para realizar um desejo.
Com uma idéia na cabeça e nada nos bolsos, Stanley foi
para o centro da cidade disposto a conseguir dinheiro para comprar o tal
sorvete, sua missão. Viu parado num ponto de ônibus um senhor
aparentando uns cinqüenta anos de idade, cabelos ainda pretos mas
com um rosto que não escondia as marcas do tempo, camisa azul celeste
com dois botões abertos na parte de cima, óculos guardado
no bolso do peito, barba bem feita e um cigarro entre os dedos, essa era
sua vítima; Stanley se aproximou e sentiu medo.
- Preciso de algum dinheiro para comprar um sorvete - Disse e criou
um silêncio descomunal na rua.
- Preciso de dinheiro, vai me dar ou não? - disse em tom alto
mesmo sabendo que estava sendo arriscado demais.
Com o batimento cardíaco a mil, uma gota gélida de suor
nasce no alto da testa. É um flerte com o demônio, não
é medo nem pavor; não é como a sensação
do primeiro furto, é o primeiro furto em si, em carne e sangue.
Um desafio lançado ao vento em direção a um desconhecido,
o medo do desconhecido, esse, como todo, é a forma mais letal do
medo, o mistério.
- Tem dias em que agente se arrepende da vida a cada segundo, e também
se conforma com ela a cada segundo. Acho que não deu tempo de pensar
no futuro, no próximo segundo. Jogo a sorte à sorte e guardo
a esperança como um bilhete premiado antes do sorteio, sem esperança
racional. Sem distância do normal, não é excepcional.
Agora rendo-me a ti, com o fio da minha faca apontado para seu peito, mostrando
uma manifestação total do meu desespero, minha fragilidade
e meu ponto fraco. Justiça seja feita, duas razões a serem
pesadas e sei que penderá para o meu lado, pois a medida não
será o merecimento e sim a recompensa pelas surras da vida. Eu,
com meus cavaleiros da Távola redonda, decidimos banir tudo que
lembre culpa e livro minha prisão mental de qualquer ônus
que esse incidente possa aflorar.
Quebrando o silêncio que já tornara tortura para ambos,
o senhor desconhecido entrega sua carteira e diz:
- Como você pode me conhecer tão bem a ponto de me julgar
não merecedor de nenhuma recompensa?
Ato falho, fruto do maldito reflexo, produto do pânico, ou simplesmente
um objeto metálico minuciosamente afiado que viajou pelo espaço
tempo, passando por incontáveis moléculas de ar numa velocidade
mais rápida que o pensamento humano, atingiu a garganta que apenas
reproduzia o som das palavras que aquele homem quis dizer.
- Traí meus princípios, o remorso pesa sobre mim como
um leão voraz e faminto, é inútil tentar afugentá-lo,
não com estes braços. Sou assassino nato daqui por diante
e irei agir como deve fazer um dos bons: correrei até o limite das
pernas e me esconderei dos opressores da morte, os inimigos da libertação
pura.
E usufruindo da morte do desconhecido ele comprou sorvete e correu
para presentear a sua querida antes que o transformasse em líquido.
Mal podia esperar para ver a satisfação de sua irmãzinha,
mas na verdade estava satisfazendo a si próprio satisfazendo sua
vontade de sentir-se Deus o bem-feitor.
Entregou-lhe com um sorriso lindo no rosto e um brilho maligno no olhar,
explicou que não conseguiu a cereja e esperava uma espécie
de perdão. Olhou-a devorando o sorvete como se fosse uma criança
desnutrida da Somália em frente a um prato de comida. E ouviu ela
falando com grandes pausas para engolir:
- Você demorou, mas enfim, voltou. Você quase falhou, mas
contudo, tentou. Queria poder por um segundo deixar meus traumas de lado,
aproveitar esse deleite até a última gota. Sem olhar para
a última mordida como o lacre de um caixão, por isso hoje
não vou até o fim. Quem sabe assim eu não veja o futuro,
ou talvez essa despedida acabe se tornando tão dolorosa e demorada
que acabe por virar anestésica. Obrigada. Fique mais um pouco comigo
agora, ver-te pelas costas não foi bom.
À noite, adormeceram abraçados sobre o sofá vermelho
no meio da sala. Um foco de paz e êxtase escondido num apartamento
no centro da cidade. Acordaram na mesma posição e ao mesmo
tempo com o barulho da campainha que gritava como uma cigarra. Era o zelador
trazendo as correspondências, entre elas o boleto de pagamento do
aluguel do apartamento e as contas de água, luz e gás que
voltavam de mês em mês para o tormento da vida de Stanley.
- Quero te fazer uma proposta - disse Stanley à Julia - que
tal conhecer uma cidade nova, ou um bairro novo, ou uma casa nova, ou até
um país novo? Ou, como eu não queria que você pensasse,
você quer ir embora desta casa?
- Essa noite eu tive um sonho, sonhei com a mamãe, ela disse
que queria me visitar mas não sabia como chegar aqui em casa, você
pode trazê-la pra mim?
Imediatamente Stanley se lembrou do dia em que sua mãe, lady
Madeline Usher, afundou junto à sua casa no lago nevoento levando
também o seu pai para o fundo do lago, viu um homem observando tudo
mas não conseguiu alcançá-lo para saber o que houve.
- Não quero ir embora desta casa - disse Julia - não
quero mais uma despedida, nós precisamos mesmo ir embora?
Subitamente, Stanley se levantou, andou até a porta do banheiro,
apoiou uma das mãos no batente da porta e abaixou a cabeça
dando um suspiro, levou a outra mão à testa e virou-se de
frente abruptamente.
- Juro pela alma de todos os Usher, juro pelo meu corpo que farei tudo
que for preciso para satisfazer os seus, ou melhor, os nossos desejos.
Mas primeiro preciso arrumar dinheiro pra pagar as contas da casa.
Tão rápido e sumiu, como a fumaça que escapa da
ponta de um cigarro, tomando formas cínicas e provocantes pra depois
sumir, sem deixar rastros, sem nenhum vestígio, só foi possível
ver a porta vermelha se fechando deixando Stanley atrás dela. Julia
ficou mais uma vez sozinha com seus medos, afogada em suas depressões,
à espera de Stanley, seu irmão e sua esperança.
“i has everything
that i was dreamet
a beautiful soul, and evething that i dreamet
gone...
a careful heart in a beautiful body...
a simple smile in the face
a symbol of youth hapiness
lips gentily kissed..
mouth open to say every time: i'm happy!
that was a great person, that was a great time
me againt the world, me in my simple world,
now, i'm shadown
a sad shadown of a naive boy,
a coroner of thirst lips, i don't gat the fever...
there's no news everything miss me
i got the souvenir
i got the fellings
that i'm just can remember
that i could not feel anymore...
a simple misssing me
that's all i got”
Julia cantarolava uma canção que ela gostava do grupo
Sho’Nuff Forever, o nome da canção era ‘Missing me’. Gostava
de cantar, mesmo que ninguém ouvisse, era como se o canto abrisse
janelas para outros jardins, mais floridos e muito mais alegres e coloridos,
ela desconhecia o poder da música.
Stanley passa na frente de um restaurante e assusta-se com a cena de
um assalto, um tiro de revólver explode no néon da porta
de entrada onde lia-se Papa Green Pizza Bar, e viu quatro homens usando
os mesmos trajes, como se fosse um uniforme; macacão branco, chapéu
preto, botas pretas e um protetor escrotal, desses de football por cima
do macacão. E esses não eram funcionários do restaurante,
pois os funcionários usavam um avental verde e um chapéu
de cozinheiro da mesma cor. Os quatro ladrões espancaram todos,
roubaram todo o dinheiro, destruíram o local e estupraram duas garçonetes,
chegaram também a matar um garoto negro de cabelo black power colocando
o garoto dentro do forno à lenha e fechando a boca do forno com
uma jukebox. Até que um dos ladrões falou para outro do bando:
- Bem, bem, bem, George-boy. Parece que tem alguém nos videando
do lado de fora, apreciando nosso horrorshow.
- Vamos pegá-lo Alex - respondeu o outro e saiu em disparada
atrás de Stanley.
I’m singing in the rain, era a melodia que se podia ouvir enquanto
corria, correu sem rumo e sem raciocínio, desesperava-se quando
ouvia a melodia pois sabia que isso significava que eles estavam próximos.
I’m singing in the rain, e como mágica começou a chover.
I’m singing in the rain, se mistura a latidos de cachorro. I’m singing
in the rain, uma voz cada vez mais distante até que desaparece pelo
tempo.
Enfim sentou-se fadigado na beira da calçada de um bairro que
ele nem conhecia, olhou em volta e percebeu que estava em algum lugar perto
do porto, sinais denunciavam sua localização, placas de trânsito
indicando uma ponte móvel, barulhos de corrente, enormes caixas
de metal pela rua e alguns travestis logo mais adiante. Sem que percebesse
a chuva tinha parado de cair. Ainda estava assustado, mas já tinha
recuperado um pouco do fôlego. Levantou-se e voltou a caminhar pensando
em como arrumar dinheiro.
Mundo. Cada um tem o seu. Todos malditos. Todos paranóicos.
Família. Existe quando está. Não é. Cada
gato tem seu cão. Cada céu a sua estrela. Fé e Deus.
Todo Deus e sua ordem. Um fiel, todos iguais. Toda ordem, um pecado. Um
pecado sem perdão. Morte. Todo poço tem um fundo. Uma mente,
dois enigmas. Todo fundo é profundo. No fundo a solução.
Num olhar uma visão. A visão de um novo mundo. Não
o meu nem o seu. Nosso enigma em comum. Comum como pecar. Pecado é
uma ordem. Igual a todos fiéis. É ordem de Deus. Deus da
fé. À estrela do céu. Ao cão que mata o gato.
Somente é. Está quando existe. Em toda família. Na
paranóia. Na maldição. Todos têm. Um mundo.
Só seu. E Julia, por fim, adormece, já escureceu e Stanley
ainda não voltou.
Nos sonhos Julia encontra um homem estranho, eles estão dentro
de um banheiro público, várias pessoas passam por eles o
tempo todo mas nenhuma joga o olhar sobre eles, estão sozinhos.
O homem estranho, magro, alto e de cabelos bem brancos, tira a barba e
o bigode com os dedos e diz que eram postiços, olha bem fundo nos
olhos de Julia e diz:
- Quando todos forem embora, as portas se fecharem, e você se
sentir só, você vai ver quem você realmente é.
Não se assuste nem fique triste. Você vai ter ódio
e nojo. Vai ver as luzes se apagarem e Deus virando as costas. Então,
quem vai te salvar? Às vezes não é bom saber a verdade.
Muito menos que existe a mentira. Se olhar para o espelho só verá
a carne, pois não existe espírito. Você é um
vazio. Seus olhos estão profundos como um poço. Não
há vida em sua imagem. O reflexo parece até alguém
brincando de ser você. Sinta o seu coração apertar.
Você vai se sentir perturbado mas não vai conseguir chorar.
Há alguém olhando pra você e você não
sabe onde ele está. Corra atrás do cheiro até encontrá-lo
e ,quando o dia amanhecer, vai achar que foi um sonho.
- Quer ganhar um dinheiro extra para esse fim de mês? - um carro
grande e negro para ao lado de Stanley e um homem gordo começa a
falar - entre no carro e conversaremos melhor.
Vi meu rosto aumentar no espelho, beijei minha própria boca,
beijo amargo. Lembro-me com clareza, eu e meu irmão, compartilhando,
sofrendo a mesma loucura. Sem muito esforço formou-se uma gota no
canto esquerdo dos meus olhos. Espertos, extremamente abertos. Espelho
maldito, reflexo deprimente. Ouço a guitarra sem entusiasmo. Não
me excito com o rock'n roll, filosofias giram pela mente, gênios
nascem, olhando, chorando, derramando diamantes, despejando seus rubis,
vendendo suas almas nesse espelho maldito, reflexo deprimente. O inferno
é fechar os olhos, tentar se esconder do júri de Deus ou
do reflexo dos olhos. Repentinamente Julia acorda com o sonho ainda fresco
na memória e uma sensação de vazio dentro de si jamais
experimentada antes.
Stanley acomoda-se no banco traseiro do carro, ao lado do gordo que,
em um movimento firme e decidido, entrega-lhe um envelope com uma quantia
de dinheiro suficiente para pagar todas as suas contas e ainda sobraria
mais da metade da quantia. Depois o gordo lhe entrega uma seringa e um
fio de borracha.
-Corra nas minhas veias, doce remédio, traga-me agonia, seca
minha garganta, seca minha alma, domina meus olhos, excita meu corpo, prazeres
do inferno, agora estou sobre o abismo, as baratas cobrem minha pele, e
ele quer me matar, mas eu fujo pelo corredor, e entro no labirinto, não
enxergo mais você, mas sinto sua presença, eternidade de minuto,
desespero e solidão, mas eu gosto, assim vejo que trapo eu sou,
cavernas no meu braço, parecem crateras, meu grande herói.
Chegaram a um hotel, entraram Stanley, o gordo e mais outro homem,
um cabeludo com cara de roqueiro. O cabeludo tirou suas roupas e o gordo
também, Stanley não sabia o que fazer o começou a
gritar.
- Cala a boca senão eu pego minha grana de volta! - falou o
gordo - vai logo tirando essas roupas molhadas e deixa o resto aqui com
o papai.
A heroína que percorria pelo seu sangue o fazia confundir a
realidade com suas alucinações, os personagens permaneciam
mas o cenário mudava a cada piscada que ele dava, Stanley estava
perdido e confuso. Transaram como animais por duas horas sem interrupção,
Stanley não era gay, mas aceitou pelo dinheiro. No final ainda deu
outro pico e pode ver a verdade por trás do ar do hotel. Stanley
confabulava consigo mesmo: todos estão à mesa, saboreando
o gosto do sangue o pior é que eu também estou gostando,
mas não há o suficiente para satisfazer a todos, logo vai
acabar... de repente alguém se levanta, todos levantam-se também,
a troca de olhares é comum entre nós, os flertes sempre dizem
algo, mas dessa vez eu não entendi o recado, aqueles olhos eram
tenebrosos, eu senti medo e fome, muita fome ,olhei para o lado e vi que
todos ali eram feitos de carne, num golpe brusco enterrei meus talheres
nas costas do meu companheiro, fartei-me daquela carne, enquanto todos
me olhavam com reprovação, eu não tinha entendido
o recado, virei as costas e fui de encontro à porta, abri e saí
daquele hospício, olhei pra trás e vi todos eles consumindo
seus corpos numa guerra de facas, garfos e dentes; eles não tinham
entendido o recado.
Stanley foi embora e caminhou até o centro da cidade, entrou
em um bar para tomar uma bebida forte e relaxar depois da tormenta.
- Hoje tem apresentação de teatro - disse o barman -
é a companhia Os homens de Lorde Chamberlain, conhece ou já
ouviu falar? São uma lenda, dramáticos, dizem que são
capazes de conversar com nossas almas sem que percebamos. O que vai querer
beber?
Stanley pediu um uísque e sentou-se para melhor aproveitar o
espetáculo. Logo começada a peça, um jovem pálido
sentou-se ao seu lado e começou a fazer alguns comentários:
- Não penses em como os cubos de gelo derretem rápido
demais, senão não vais entender a peça, esses dramáticos
são fabulosos.
- Como sabe o que estava pensando?
- Simples, eu ouvi.
Stanley desligou-se do mundo e adentrou na peça, e ela também
adentrou em sua alma. Viu cenas impressionantes, como fossem o retrato
da sua vida.
Olhou para o lado e percebeu que o jovem pálido estava a observá-lo,
olhou pelo bar e viu que outro rapaz também o observava. Sem explicações
caiu em prantos e desesperou-se. - Como pode uma peça de teatro
ter me pegado assim tão forte? Pode uma obra de arte dar-me conselhos
ou até mesmo mostrar-me todos os caminhos que eu devo seguir?
- O que pensas tu disso tudo? - disse o jovem pálido colocando
a mão sobre o ombro de Stanley.
- Essa peça falava da minha vida, até das experiências
que tive a poucas horas, tudo espelhava-se em mim, mas o final da peça
é meio assustador, não acha? Será que meu futuro será
assim?
- Quem sabe? Saibas ouvir os conselhos da vida. A mim, lorde, resta
retirar-me. - Assim deixou a mesa e como espectros feitos de luz o fumaça,
sumiram, o jovem pálido, o rapaz misterioso que observava a tudo
à distância e os atores da companhia dos dramáticos.
Stanley ficou pasmo, achou ter visto fantasmas, mas conformou-se com
a idéia de que aquilo tudo teria sido efeito da heroína que
ainda pulsava em suas veias. Chegou a essa conclusão porque repentinamente
ele se viu em outro bar, com outra bebida nas mãos e com uma bela
garota sentada na mesa da frente.
Saiu do bar e pegou um ônibus sem saber para onde ele ia, desceu
na beira da estrada e correu até um precipício, de onde tinha
a visão de toda a cidade, Stanley olhou para o céu azul marinho
e relembrou das cenas que havia visto no teatro dos malditos, lembrou-se
também do desfecho, onde o protagonista da história se joga
de um penhasco para atravessar os limites da carne e da consciência,
morre para uns e renasce para outros e, dentre estes outros, encontra sua
mãe que já estava esperando por ele.
Sem pensar em mais nada e sem escolher últimas palavras, saltou
como se estivesse à beira de uma piscina, pulou com maestria e com
uma beleza plástica inigualável, mergulhou segundos adentro
e caiu por terra ao final dos nove segundos de queda livre.
- Stanley, filho, é você mesmo? - disse lady Madeline
- você finalmente acordou do inferno.
- Vim buscá-la mamãe. Julia precisa de você - diz
Stanley olhando maravilhado com tudo. - Eu não podia imaginar que
era assim.
- Não se preocupe com Julia, ela logo virá se juntar
a nós - encerra lady Madeline, encostando o indicador nos lábios
de Stanley.
Caminhou até o banheiro, lavou o rosto na pia, olhou para o
espelho e viu que realmente não havia mais vida em seu olhar, duas
tumbas negras, Julia então falou em voz baixa as seguintes palavras:
- Senti-me frágil diante sua face, sua força vital é
radiante, vi-me fraca perante sua fortaleza, e não tem mais volta.
É incrível como às vezes vamos de encontro ao
erro, é meio arrependimento meio tristeza, meio dúvida meio
sem explicação. Sei que esses foram meus piores versos, porém
os mais sinceros de toda, sim, de toda minha vida. Porque hoje não
vim fazer poesia, vim chorar minhas dores, frustrações. É
verdade que meus olhos estão vermelhos, que o vinha atrasa minhas
idéias, o que posso fazer agora? De novo estou sozinha. No fim é
sempre assim, não é perfeito, é real e doloroso.
E com um aparelho de barbear abriu duas fendas em seu corpo, uma em
cada pulso. Sentiu seu sangue escorrendo pelo ralo, aos poucos não
podia mais suportar seu próprio peso e caiu no chão do banheiro.
Ficou olhando para a lâmpada que estava no teto do banheiro, bem
na direção dos seus olhos e imaginou, como se aquilo fosse
um túnel para a morte a achou aquilo bonito, uma última lágrima
escorreu pelo canto dos olhos e caiu na orelha. Aos poucos, perdeu os sentidos
e adormeceu na morte dos seus órgãos.
Olhou, acreditou, e correu parra os braços de sua mãe
e seu irmão. Permaneceram assim abraçados por longos minutos.
E, naturalmente, beijaram-se lascivamente com desejo e paixão, os
três, numa demonstração máxima de carinho e
desejo. Julia, perdera sua virgindade nesse momento, com seu irmão
a penetrando enquanto sua mãe lhe presenteava com longos beijos,
sentiu seu primeiro orgasmo e teve medo de que acabasse logo, por ela,
continuariam assim pela eternidade. Stanley retirou o membro de sua irmã
e penetrou-o no ânus de lady Madeline, que deu urros de prazer, urros
com dor.
Após o clímax, ficaram abraçados e adormeceram.
Stanley acordou sem fazer barulho, e andou um pouco à procura de
algo, qualquer coisa, afinal era um mundo novo a ser descoberto. E num
lapso teve uma idéia, como seria transar as duas no inferno? Onde
os prazeres são potencializados, multiplicados por mil, e as dores
que também são potencializadas, também podem ser convertidas
em prazer, desse modo ele conseguiria uma espécie de nirvana se
transasse as duas no inferno. Ele precisa satisfazer seus desejos.
Voltou com fúria e decidido a voltar para o inferno levando
consigo Julia e lady Madeline, chegou perto das duas e com cada mão
pegou uma garganta, Julia na mão esquerda e lady Madeline na mão
direita. As duas se contorcendo e olhando com olhar de “por que?”, quase
comoveram o jovem Stanley.
- Que pena minhas garotinhas - falou Stanley - não deu nem tempo
de conhecer a vida, vamos voltar para o inferno por mais uns dias, desculpem-me
se entristeci vocês, era necessário.
Depois deitou-se entre os corpos, fechou os olhos e morreu.
André Jundi