A  LEI  DA  SELVA
 
                                                                        O Sol da Justiça está
                                                                        acima das cabeças...

            Na cidade dos bichos, havia um urso pobre, pescador, que todos os dias saía para o mar  no seu velho barco, com seu filho, para pescar.

            Amava o filhinho, um ótimo ajudante, que por sua vez, amava fazer o que fazia ao lado do pai. E a alegria de voltarem com o barco cheio de peixes, era só o complemento do prazer que sentiam durante o dia.

            Um dia, em alto mar, antes mesmo de começarem a pescaria, o filhote sentiu uma dorzinha na barriga. O pai que conhecia o filho, percebeu e perguntou:

            — Que há com você, filho?...

            — Senti uma pontada de dor aqui, mas não se preocupe, já passou...

            — Não é melhor voltar para a cidade?

            — Não deve ser nada grave... vamos trabalhar...

            Mas a dor foi aumentando, e em pouco tempo, já estava com febre, vomitando, e transpirando muito. Não tiveram como continuar pescando.

            Quando chegaram em terra, o filhote já não podia andar, e teve que ser carregado pelo pai até ao hospital.

            O Dr. Lobo examinou o filho diante da ansiedade do pai, e deu a notícia:

            — Vai precisar fazer uma cirurgia urgente.

            Mas quando falou o preço da cirurgia, o urso disse:

            — Mas é coisa muito séria, doutor?

            —  Não se preocupe. É coisa simples. É um trabalho de minutos...

            —  Mas doutor, se é tão simples assim, não acha que é muito caro, cobrar por uns minutos de trabalho, o que ganho num ano?

            —  Olha seu Urso, – disse o médico – a verdade é que somos animais civilizados, e com a evolução do mundo, hoje vivemos em cidades, e tudo o mais... Mas ainda não somos tão civilizados como os humanos, e aqui, ainda perdura os resquícios das leis da selva... E assim, eu só aproveito a oportunidade que tenho, como um animal que sou. A lei da selva permite, e eu só estou usufruindo do que me é permitido...

            —  Lei da selva!... – disse o urso pensativo, coçando o queixo.

            O Dr. Lobo continuou:

            — Além do mais seu Urso, não estou fazendo um serviço qualquer e sem importância... Estou salvando a vida do seu filho... E me diga, seu Urso, quanto vale a vida do seu filho?... O senhor não acha que vale mais que um ano de trabalho?

            O Urso nem discutiu. Não tinha nada a fazer, a não ser conformar com a situação. E teve que assinar uns documentos, se comprometendo a pagar o que não possuía, já que o filhinho para ele valia uma vida de trabalho.

        Mas tudo foi muito bem com o pequeno. A operação foi mesmo muito rápida, e poucos minutos depois estava fora de perigo... Algumas horas depois, pediu comida ao pai que atendeu muito alegre. E poucos dias depois, já estavam os dois no mar, tentando ganhar o sustento, e mais o dinheiro para pagar o Lobo.

            Num domingo, quando os dois ursos arrumavam o material de pesca no barco para irem para o trabalho, o Dr. Lobo passou com seu filho, o Lobinho, para dar um passeio de lancha pelo mar. Quando viu os dois, o lobo falou:
 
            — Olá, como é que vai o garoto? Parece que muito bem de saúde, não? Vai até dar um passeio de barco com o pai!...

            — O garoto está ótimo doutor... Mas não estamos passeando. Vamos trabalhar.

            — Até no domingo, seu Urso?!... Isso é que é vontade de ficar rico!... Eu e meu filho hoje estamos de folga... Quero aproveitar para ensinar o garoto a pilotar a lancha.

            — Cuidado com as pedras doutor! Com a maré baixa, é um perigo!...

            O lobo nem ouviu, e saiu a toda velocidade com sua lancha muito veloz.

            Já longe da costa, o Lobinho pilotava, e fazia umas manobras radicais, diante do sorriso orgulhoso do pai. Mas a lancha bateu de raspão em uma pedra escondida pelo brilho da água, e os dois foram atirados para fora. Não sabiam nadar, mas felizmente, conseguiram se agarrar a uma pedra que estava ainda à mostra. A lancha parou não muito longe, mas não tinham como ir até ela.

            Passou mais de hora, e os dois já tremiam de frio e medo, porque a maré estava subindo, e a pedra onde estavam, ficava cada vez menor. Mas ouviram o barulho de um motor se aproximando. E logo avistaram satisfeitos que eram os dois ursos pescadores seus conhecidos. Estavam salvos, pensaram.

            O barco chegou pertinho, e eles fizeram um sinal, e gritaram. O urso manobrou o barco, e chegou mais perto.

            — Ainda bem que vocês chegaram, - disse o lobo.

            — Que aconteceu? – perguntou o urso.

            — Batemos numa pedra que não dava para ver...

            — Eu tentei avisar... - disse o urso. – Até logo, doutor! Temos que trabalhar.

            — Quê?!... Não vão nos socorrer?!...

            — Até pensei, mas o senhor não falou nada... eu pensei que não precisavam.

            — Por favor, seu Urso. Nós não sabemos nadar, e a lancha está cada vez mais longe. Além de tudo, a maré continua subindo...

            O urso coçou o queixo, como fazia quando pensava.

            — Só se o senhor nos pagar.

            — Combinado, eu pago.

            O Lobinho já chorava de frio e medo. A água já tinha coberto a pedra.

            — Quanto o senhor me paga? perguntou o urso.

            — O seu dia de trabalho. Nem precisa ir pescar hoje.

            —  É pouco. Até logo seu lobo.

            — Dois dias!... O seu, e do seu filho!...

            — Nada feito. Quero um ano.

            — Um ano? É uma exploração, seu urso. Mas quanto é que o senhor ganha por ano?

            — Não quero o que eu ganho, doutor. Quero o que o senhor ganha.

            — Mas é uma exploração, seu Urso!...

            — Então até logo, doutor. E fique em pé na pedra, que a maré ainda vai subir mais. E cuidado com os tubarões, que são animais que não conhecem a civilização ainda, doutor.

            O Lobinho chorava aos prantos. O lobo ficou desesperado:

            — Eu pago um ano, de trabalho. Digo, um ano do meu trabalho.

            — E quem dos dois o senhor quer que salve, doutor? Ou o senhor pensa que a vida do seu filho não vale um ano do seu trabalho?

             — Não faça isso, seu Urso!... É muito dinheiro!...

            — Então, até logo doutor. Boa sorte!...

            — Faça um desconto, seu Urso!...

            — Não doutor. Essa é a oportunidade que eu tenho. Foi o senhor mesmo quem me ensinou que devemos aproveitá-la da melhor maneira possível!...

            — Eu pago os dois anos.

            — Tem algum documento de garantia?

            — Tenho um talão de cheques na lancha.

            O urso foi buscar primeiro. Depois do cheque assinado, foi que os dois foram resgatados do mar.

            Os lobos voltaram para a terra na lancha, e os ursos foram pescar. Então o ursinho perguntou ao pai:

            — O dinheiro que ganhamos hoje, não dá para tirar uma folga, pai?

            — Não, filho. Quando chegarmos, vou trocar o cheque pela dívida que temos com o médico. E fica vida por vida, não é justo?

            — Também acho, pai.

            Os dois pescaram o resto do dia, e quando chegaram à praia, já tinham uns cachorros policiais esperando para prendê-los. O lobo tinha dado queixa à polícia.

            E o urso ficou preso...

            Mas felizmente isso só acontece entre os animais da selva.

Adelmario Sampaio

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