Sucesso na vida

                A festa, regada a muita aguardente e churrasco de charque, seguia animada. Depois de um dia inteiro bebendo, comendo e dançando forró, os convidados estavam agora reunidos, na varanda da casa grande, ao redor do Dr. Francisco, recém chegado dos EUA.
                Era uma gente simples e humilde, composta em sua maior parte por sertanejos dos municípios vizinhos a Montes Claros, no norte de Minas Gerais, e que estavam ali para prestigiar um filho da terra que regressava à região depois de mais de quatro décadas. Todos queriam aprender às dicas gratuitas do Dr.Francisco de como se tornar uma pessoa de sucesso na vida.
                Entre uma baforada e outra do seu cachimbo inglês de pito nacarado, Dr. Francisco começou contando a própria história, quando saíra dali ainda muito jovem para estudar na capital mineira.
                De lá, após formar-se em Economia, fora para os EUA em busca de mais estudo, concluindo seu mestrado e posteriormente um doutorado, que lhe rendeu um lugar na disputada bolsa de valores de Nova Iorque, onde trabalhou por vários anos como analista de mercado financeiro, ganhando muito dinheiro, prestigio e sérios problemas de coração.
                Josefina nem piscava, tamanha a atenção que prestava nas palavras do doutor. Por sua vez, Genalvo, seu marido, enquanto mordiscava num canto da boca um pedaço de fumo, matutava, com o seu jeito desconfiado, sobre o significado daquilo tudo que ouvia.
                Dr. Francisco, que falava fluentemente o inglês, o francês e o espanhol, se esforçava para explicar àquele povo, por ele considerado rude e ignorante, que somente com muito estudo, esforço e dedicação é que se podia alcançar o sucesso e a felicidade na vida. Ele mesmo passara mais de 40 anos da sua vida estudando e trabalhando no exterior, longe do país e das pessoas que amava.
                Foi dessa maneira, comendo o pão que o diabo amassou que, segundo ele, adquirira o direito de gozar a sua aposentadoria na imensa fazenda com cerca de 5.000 cabeças de gado que comprara nas redondezas.
                Hoje, com quase 65 anos, considerava-se plenamente realizado, possuindo inclusive negócios no exterior e podia curtir agora os prazeres e o sossego da vida do interior, revivendo os momentos felizes que passara em sua infância, como andar a cavalo, tomar banho nas cachoeiras e mananciais, passear pelos pomares, comer uma boa comidinha mineira no fogão a lenha, sem nunca mais ter de reclamar de hambúrgueres e enlatados.
                Em sua concepção, tudo isso era a sua merecida recompensa por aqueles anos de trabalho duro, cheios de privações.
                As moças ouviam e suspiravam pensando nas delícias da vida na cidade grande, enquanto os rapazes ansiavam por seguir também a trilha de sucesso daquele legitimo filho da terra. Se Dr. Francisco tinha conseguido, eles também podiam. E porque não?
                Chiquinho, como era carinhosamente chamado pelos antigos colegas da região, muitos dos quais estavam ali presentes, ficara satisfeito com o impacto das suas palavras e como a tarde já derramava o seu vermelho-carmim no negro cetim da noite que se avizinhava, resolveu então por um ponto final na festança.
                Mas antes de anunciar que ia se recolher, ele olhou para Genalvo, o seu melhor amigo de infância e disse: - “Não te falei Alvo, que um dia eu voltava como doutor? Pois é. Agora sim! Vou curtir minha velhice tranqüila pertinho de todos vocês e das belezas naturais da nossa terra. E não se preocupem, pois de agora em diante, tudo será como dantes”.
                Então, os convidados foram se despedindo do Dr. Francisco e indo embora um a um, em carroças, carros de boi e cavalos, enquanto o grupo de sanfoneiros e violeiros tocava a saideira.
                No caminho de volta para o seu pequeno ranchinho, Genalvo mascava seu fumo e resmungava baixinho, conduzindo a carroça. Ao seu lado, na boléia, Josefina admirava o bailado dos vaga-lumes naquela noite escura, enquanto atrás, na carroceria, dormiam dois dos sete filhos do casal.
                Lá pelas tantas, notando que o marido estava taciturno além do habitual, Josefina perguntou: — “Que qui foi Alvo? Ôce num mi engana... Do que qui ocê num gostou lá na festa do Chiquinho?”.
                Genalvo, depois de uma cusparada para o lado, respondeu com seu jeito bronco: — “Né nada não Fina! Sô num entendi uma coisinha... Pruquê Chiquinho teve de ficar 40 anos longe daqui, nessa vida de desespero...”.
                “Uai, Alvo! Cê num escutou o homi dizendo que era prá mode de ter sucesso na vida, e depois vortá prá cá e aproveitar as belezuras do campo?” – respondeu Josefina.
                “Aí é qui tá, Fina... Vivê no campo, tomá banho nos rio, preciá a lua, dançar catira, tudo isso nóis já faz desde qui Chiquinho foi embora daqui... Se no finár, o qui ele queria era proveitá a vida no campo, num percisava ter saído daqui prá virá doutô e passado esse tanto de aperto qui ele passou nesses ano tudo, inclusive ficando com o coração bichado, cê num acha?”.
                “Num é qui cê tem razão, homi de Deus?” – disse Josefina, com um sorriso maroto no canto dos lábios. “Pensando mió, se tê sucesso na vida é um dia pudê proveitá as coisa do campo, nóis tudo aqui já nascemo milionário...”.
                Com o barulho de duas espontâneas gargalhadas que ecoaram pela noite adentro, as crianças abriram os olhos, mas logo voltaram a dormir embaladas pelo ranger das rodas da velha carroça.

Emmanuel Chácara Sales

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