Ficções
de Dois de Junho
O atirador faz tudo calmo e morno. Mesmo o sangue do baço perfurado.
Mesmo o sorriso de olhos fechados. Ganha o jogo quem acertar sem querer.
O herói do circo é o atirador de facas, aos olhos trêmulos
da moça pregada na parede. O atirador de olhos azuis não
me deixa mais escrever. Também não queria... Quero receber
facas pelo corpo. O fio dos dentes do atirador de olhos azuis partindo
as minhas postas.
Ah, atirador... Era uma vez uma garota na ponte. Você sabe, não
é? Toda a história. Era uma garota à beira, eram olhos
de correnteza que a fitavam lá de baixo. Era. Até que um
ia, um lugar, um frio, o atirador. E o tempo que não chegava nunca.
(O tempo era o personagem de múltipla personalidade, inconsistente,
incoerente. Nunca que chegava, nunca dava tempo de tudo.) Atirador, você
me tem retalhada, de olhos fechados, de olhos abertos, fixos em seus olhos
de correnteza azul. Enquanto você gira para atirar, meu
sorriso é doce e meus olhos continuam castanhos. Suas mãos,
valente. E meus olhos são castanho-escuros.
Enquanto você ganha meus seios e pele, enquanto, querido atirador,
eu te escrevo uma carta e mostro um caminho para suas lâminas, sei
porque você tenta me acertar sem querer. Me atire, a garota na ponte.
O sorriso na ponte, seus olhos de correnteza azul na ponte.
Eliza Alves
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