Descobriram-se ainda crianças. Ela fora escolhida pelos outros participantes da brincadeira como a mãe de todos. E ele seria o pai. E como gostavam de juntos cuidarem de seus filhos! Cuidavam com carinho, mas não o tempo todo. Sempre que podiam colocavam as crianças para dormir e iam desfrutar da companhia um do outro.Sob protestos calorosos dos outros integrantes da trupe, claro. Alegando que pai e mãe precisavam ter um tempo só deles, e prometendo balinhas para todos aqueles que se calassem, conseguiam sempre driblar os ânimos mais exaltados. Chegou um dia em que os jogos infantis não tinham mais a menor graça. O que ele queria mesmo era passar tardes e noites na rua jogando bola. E ela almejava ter muitas estorinhas pra contar ao seu querido diário. E sempre que seus olhos cruzavam-se na rua, era como se eles acabassem de se encontrar. Ele sonhava com ela, e ela sonhava com ele. Sonhos às vezes proibidos, picantes, provocantes. Mas sempre com aquela ternura das mãos dadas de tempos atrás. Num dia em que seus olhos encontraram-se mais uma vez, ele achou que era hora de deixar a bola para trás. Ela concordou e esqueceu seu amigo diário.. Redescobriram-se na adolescência. E descobriram o gosto doce do beijo, o gosto amargo do ciúmes, o gosto tenro da saudade. Descobertas sob protesto. Dos amigos que os chamavam ausentes. Dos professores que lhes nomeavam displicentes. Dos pais que diziam que estavam valorizando além da conta um amor “aborrescente”. Para todas estas reclamações eles apenas sorriam. Sorriam o sorriso bobo de quem estava aprendendo que amar era uma eterna descoberta. No meio da travessia houve uma tempestade. O pai dele fora transferido para uma cidade de interior. Lágrimas, choro, dor. Perderam-se no meio do caminho. Mas sempre se encontravam num caminho do meio: em seus sonhos. Sonhos que nunca deixaram de ser picantes, mas que sempre reservavam a inocência dos primeiros tempos. Anos mais tarde seus olhos, corpos e mentes cruzaram-se novamente. Redescobriram-se adultos. Acharam que finalmente duraria pra sempre. Ou que pelo menos seria eterno enquanto durasse. E foi. Faziam tudo juntos. Choravam juntos, sorriam juntos e amavam-se juntos. Apoiavam-se, estimulavam-se. Conheciam cada dobrinha do corpo um do outro, sabiam onde tocar para que a alma do amado pudessem alcançar. Só que um dia, tudo isso ruiu. Ele proferiu impropérios que a fizeram enrubescer. E ela chorou. Chorou lágrimas da criança que trazia em si e que acabava de perceber que seu marido de brincadeiras não era o mesmo da realidade. Era tempo de descobrir que os amantes crianças não mais moravam nos corações dos amantes adultos. Tempo de perceber que ela havia alimentado a ilusão de que a inocência do primeiro amor duraria pra sempre. Era tempo de deixá-lo ir para que, longe dele e de todas as lembranças, ela pudesse se redescobrir.
Renata Cabral