Paradise Hotel

            Os reflexos azulados e intermitentes do anúncio luminoso em frente ao prédio de três andares, conferiam ao seu rosto um aspecto fantasmagórico. Puxou o maço de cigarros do bolso e aguardou o próximo flash de luz néon para confirmar o número anotado do quarto: 306. Já eram quase 18:00 horas de uma agitada sexta-feira. Um verdadeiro formigueiro humano entrava e saía do Paradise Hotel localizado no centro da região boêmia de Belo Horizonte.
            Ele sacudiu a cabeça como se desejasse espantar profundas reflexões. Por alguns instantes, lutou contra o medo de ser reconhecido e ao que parece venceu, pois adentrou o recinto de forma resoluta. A cada degrau imundo que subia, na íngreme e estreita escada, encontrava olhares esgazeados que desciam. Neles eram quase palpáveis os sinais ainda recentes dos esgares prazerosos, hauridos na euforia passageira e ilusória dos excluídos, que buscavam ali um anestésico para o sofrimento atroz da vida diária.
            Não entendia como Josélia fora parar num lugar daqueles. Desde que saíra do vale do Jequitinhonha para estudar Direito na capital mineira, perdera o contato com a amiga de infância e adolescência. E agora, atendendo ao pedido de uma mãe aflita ali estava ele, um jovem e bem sucedido advogado que tentava resgatar a amiga e o próprio passado.
            À medida que avançava de um andar para outro, o ar ia ficando cada vez mais pesado em razão da mistura da fumaça dos cigarros acesos com o odor dos desejos mal contidos. As portas abertas, como molduras de quadros, exibiam musas de diversas idades, como que pintadas em posturas provocantes, divididas entre a dura realidade da prestação que vai vencer e o sonho mais secreto e ansiado de um dia encontrarem um amor verdadeiro.
            Subitamente, parou defronte a um dos apartamentos. Havia chegado ao seu destino. Com o coração acelerado e a boca seca, notou que a porta estava apenas encostada. De dentro, vinha um som inconfundível de alguém chorando baixinho. Por duas vezes hesitou antes de bater e então resolveu empurrar a porta bem devagar.
Uma bela jovem, em trajes íntimos, chorava com o rosto mergulhado nos travesseiros.
            – “Josélia? É você?”, perguntou ele com um ar de preocupação. Com não obtivesse resposta, pensou que talvez ela quisesse ser chamada pelo codinome.
            – “Audrey? Me diga, é você?” E a moça continuava chorando, sem responder.
            Resolveu então se aproximar da cama com cuidado. Sentou-se na beirada do leito e ficou esperando. Passados alguns minutos, uma bela morena, no auge dos seus 20 anos, virou-se lentamente e ele percebeu que não era a pessoa procurada.
            – “Não sou Josélia. Ela foi embora. Tem quase um mês. Foi convidada para dançar numa boate no Rio de Janeiro”. Com a voz entrecortada por soluços e carregada de um forte sotaque cearense, ela continuou: - “Olha moço, se o senhor não se importar, eu hoje não estou em condições de atender ninguém, mas aqui na casa, o senhor vai encontrar belas mulheres disponíveis; mais bonitas até do que eu”.
            A jovem demonstrava grande abatimento e tentava a todo custo esconder, com a ajuda do travesseiro, um grande hematoma no supercílio do olho esquerdo. Porém, como não lograsse êxito no seu intento e notando o olhar perspicaz do advogado que a observava atentamente, desatou a chorar copiosamente, menos pela dor física e mais pela humilhação da agressão sofrida.
            Desapontado por não ter conseguido encontrar a amiga que procurava, ele agradeceu a informação recebida. Fez menção de levantar-se e ir embora, mas não conseguiu. Estranhamente, sentia necessidade em ficar. Um misto de compaixão e revolta tomou conta do seu coração, e cheio de indignação perguntou quem fizera aquilo... mas ela não quis contar. Disse apenas que se chamava Helena e que ele não deveria se preocupar pois aquilo não era nada. Como das outras vezes, tudo ia acabar passando. Sempre passava.
            Consternado pelo drama da moça, o rapaz se ofereceu para levá-la em casa. Ao escutar aquele convite, Lena, como era conhecida pelas amigas mais íntimas, deixou escapar um riso amargo e ao mesmo tempo adocicado pelo sangue que ainda escorria de um ferimento nos lábios, e respondeu: – “Precisa não, moço, precisa não... eu moro aqui mesmo. Tá vendo esse quarto? É a minha casa. Quase não saio daqui. Também... ir prá onde? Tenho casa não, moço. Não tenho aonde ir”.
            Sem conseguir disfarçar a tristeza que lhe invadia a alma e que teimava em querer escapar-lhe pelos olhos, ele também se apresentou, dizendo que se chamava João Paulo. Em seguida, retirou do bolso um cartão do seu escritório entregando-o à Helena para que o procurasse, caso mudasse de idéia e quisesse apresentar queixa contra o agressor. Explicou que era advogado, e que, se ela resolvesse utilizar os seus serviços, não lhe cobraria os honorários.
            Surpresa, a moça esqueceu momentaneamente os seus problemas. Com exceção da sua querida e distante mãezinha, não se lembrava nos últimos anos de alguém ter se preocupado tanto assim com ela. Segurou então uma das mãos do advogado, e encostou-a suavemente no rosto como forma de agradecimento. Na companhia daquele desconhecido, pela primeira vez, desde que saíra do Ceará, sentia-se protegida, e, no aconchego daqueles pensamentos, adormeceu profundamente.
            Transcorridos alguns dias, o advogado não conseguia esquecer Helena. Em meio a um mar de processos e jurisprudências, pensava nela o tempo todo. Será que havia melhorado? Porque não ligara? Que desculpa daria ele para encontrá-la novamente? Se o nome do hotel era Paradise, quem sabe ela não era um anjo disfarçado, cuja missão era reconduzi-lo ao caminho da ansiada felicidade?
            O som estridente do telefone em sua mesa trouxe-o de volta à realidade, e ao atender ficou completamente atônito, sem saber o que fazer, ao ouvir a secretária dizer que uma tal de Helena estava ali e queria falar com ele.
            Sentado no sofá do seu apartamento, três anos mais tarde, João Paulo exibia um brilhante sorriso de felicidade, ao relembrar aquele episodio que transformara por completo a sua vida. Acabara de colocar na cama as duas filhas gêmeas Maíra e Maiara e agora, olhava embevecido o semblante belo e sereno de Helena que dormia com a cabeça recostada no seu colo. Sim... de fato, ela realmente era um anjo.

Emmanuel Chácara Sales

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