QUANDO A GENTE QUER MAIS E MAIS E MAIS

           Não entendi quando ele me disse que sexo não era a medida do amor mas o próprio amor, porque não se pode separar o
amor do sexo para entender o amor. Achei que ele estava  minimizando o significado do amor ou que estava sendo meramente
instintivo e animal. Mas aí  ele foi me contando de todas as mulheres que tinha tido e sobre a diferença de cada uma dessas
experiências e eu comecei a perceber que ele levava esta teoria dele muito à sério, tão à sério que chegara um ponto em sua vida
que comia mulheres, quaisquer que fossem, como se colhendo material para sua extensa e vasta pesquisa, não sexual, mas
amorosa. Era uma quase uma psicopatia; fosse dia, tarde ou noite, ele estava sempre à postos na espreita de uma oportunidade
para levar alguém pra cama e embora muitos possam achar que ele estava perdido, procurando algo em alguém, que lhe faltava,
que lhe fosse primordial, que ele estivesse em busca dele mesmo tentando se encontrar no outro, tudo isso era bobagem, que ele
só queria mesmo testar a sua teoria que para se presenciar o amor havia de haver sexo. Não sei porque, mas eu que já ia levantar
com uma desculpa qualquer, como um trabalho de urgência, um enterro de uma tia avó, resolvi ficar e escutar as sandices que ele
dizia. E continuou embora eu ainda o criticasse e argumentasse em contrário, que amor sem sexo não existia e para o mater,
frater e paternal, ele explicava muito simplesmente, que filhos eram o gozo, o orgasmo. Filhos eram o sexo. Não, nada a ver com
Electra ou Édipo, a despeito de quantas voltas Freud pudesse dar em sua cova, era mesmo apenas poder olhar, tocar, conversar,
educar, trocar idéias, ensinar, aprender com e aconselhar o próprio orgasmo. O nome de todos os filhos devia ser Orgasmo,
segundo ele, ou, dependendo da intensidade do gozo, Amor. Para orgasmo ele tinha a seguinte descrição: a busca da saciedade
do espírito através do corpo.
            Irmãos não se amam, irmãos são uma pessoa só, ele disse. Já que são uma pessoa só, amor não se enquadra no
sentimento fraternal. Eu lembro que eu quis nunca mais me perdoar por estar ali e ter dado a ele a oportunidade de começar a
elucidar sua teoria, mas eu não podia mais sair correndo ou fugir porque as barbaridades que ele dizia em sua eloqüência, só vista
em pessoas nitidamente acima da média, começavam a fazer sentido pra mim, que me julgava e crucificava cada vez que pensava
"faz sentido" e cada vez que eu "entendia" de uma ou outra forma as suas conclusões depois de anos e anos de seríssimos estudos
pegando mulher em tudo que é lugar, não só da cidade ou país, mas do mundo. Viajado. Um sujeito muito experimentado... Mas
peraí! ainda que ele estivesse sofrendo de algum tipo de esquizofrenia e ainda que eu estivesse correndo o perigo de ser internada
junto com ele por não ter uma explicação lógica para o estar ouvindo e pior, vendo razão na sua falta de razão,  quem na verdade já elocubrara uma tão ousada teoria para o amor? Fora que ele tinha aqueles olhos de hipnotizador, sabe? Que fixam nos seus e
impedem que você escape nem que seja uma breve corrida ao banheiro feminino pra ver se o batom não derreteu e passou pros
dentes. Tinha aquela voz grave e profunda que me fazia compreender a facilidade dele de transar com quantas mulheres quisesse
independente de suas técnicas de sedução. E bebia e fumava tanto que eu acho que o álcool e a nicotina que exalavam de seus
poros embriagavam seus ouvintes. Era um cheiro misturado a um perfume espanhol, que ia deixando a gente assim, tonta. Bem,
eu não sei o que era, mas eu não levantei até ele terminar a sua explanação e não levantei ainda durante algumas horas depois que
ele acabou e se despediu me deixando seu cartão, até que o maître veio me avisar que a casa estava fechando. Teve uma coisa
que ele disse sobre o amor entre o homem e a mulher que era uma coisa tão óbvia, que eu, que trepei com quase ninguém, não
podia sentir muito bem o que vinha junto com aquela obviedade. Ele disse que sexo pode ser somente sexo sem que seja amor e
normalmente o é, que é um cio necessário à perpetuação da espécie, mas que amor é sempre sexo e que isso é muito fácil de ser
entendido, quando depois do orgasmo a gente não se sente satisfeito, mesmo que tenha sido um orgasmo fora do comum, aliás,
normalmente quando é. Uma alma, quando encontra a sua fonte de água cristalina quer beber eternamente. A esta insatisfação
orgásmica, ele chama de amor.

Patrícia Evans

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