Passou-se o tempo. Perderam-se as bolas, enferrujaram-se as bicicletas, guardaram-se as bonecas. A música começou a reinar naquela casa. De manhã à noite, os acordes bailavam no ar. E ainda havia risos, muitos risos.
Até que cessou a música. Ouviam-se apenas os passos firmes que abriam e fechavam a porta pela manhã e retornavam ao final da tarde. À noite, o jornal, que jazia abandonado durante todo o dia, abria-se e fechava-se. Na cozinha, a água fervia na chaleira. O aroma adocicado do chá desprendia-se de duas chávenas colocadas uma em frente à outra. E ainda havia risos, muitos risos.
Ano após ano, os passos
tornaram-se arrastados e já não abandonavam a casa. Vidrinhos
de remédios surgiram sobre a mesa, ao lado do bule de chá.
E duas longas agulhas digladiavam-se agora durante todo o dia, enquanto
novelos coloridos de lã ou linha rolavam pelo chão. Duas
cadeiras de balança oscilavam, para frente e para trás, para
frente e para trás, e a doce cadência dos rangidos acompanhava
os cada vez
mais raros risos.
Um dia, as agulhas se calaram. Os novelos de lã esconderam-se dentro do armário. Agora apenas uma xícara de chá esfriava esquecida sobre a mesa.E um novo som vinha quebrar o silêncio: um choro fraco e entrecortado que perdurava do pôr-do-sol até a madrugada. Nunca mais houve risos.
Por fim o último vidro de remédio caiu sobre o tapete e espalharam-se as pequenas pílulas. A cadeira de balanço imobilizou-se. Os passos silenciaram. O choro cessou.
A casa mergulhara no silêncio
Sonia Rodrigues