No Raiar da Aurora

Todo santo dia era a mesma chiadeira. — "Filho, levante-se! O sol já saiu!" E nada! O mocinho continuava pregado no sono. Parecia até estar sonhando, com namoradas que perseguira no dia anterior. — "Levante moleque", insistia a mãe, "senão você vai perder o emprego". E continuava falando consigo mesma e com sua vassoura de pelo, com a qual varria cuidadosamente o chão brilhante e bem cuidado de sua casa. "Esse menino anda com uma preguiça danada nos últimos tempos. Nunca consegue levantar-se antes das primeiras cinco chamadas. O que será isso!?"

Um dia ela levou um tremendo susto ao realizar o ritual diário de chamar o filho para acordá-lo. Não o encontrou sobre a cama. Estremeceu! "O que teria acontecido", pensou sem saber ao certo que decisão tomar. Foi a primeira vez que isso ocorreu. Ficou paralisada por um certo tempo. O medo e a angústia tomaram conta de seu coração de mãe. O instinto materno e intuição lhe mostraram o caminho. A primeira idéia que lhe ocorreu à cabeça foi a de telefonar para o emprego do filho. E seu raciocínio dinâmico e prático de mulher o fez tomar a decisão. Apanhou o telefone, quase sufocada pelo estado emocional causado pela incerteza da possível resposta do outro lado da linha, trêmula, discou o número e a ligação completou-se. Tudo bem. Ufa! Ele estava lá. E, aparentemente, bem segundo pode perceber por sua voz. Contudo, ela sabia que não. Toda mãe conhece o filho a partir de uma palavra, de um gesto qualquer, de um simples olhar, de uma atitude ou ação.

Os dias passaram rotineiros e normais, como acontece na maioria das famílias, e outra vez não o encontrou no quarto. Novamente o pesadelo. Mais um telefonema para a empresa e tudo bem. Ele estava lá, trabalhando normalmente. E a mãe continuava conversar com sua vassoura de pêlos. "isso não é normal. Deve estar acontecendo alguma coisa diferente com meu filho". Os pensamentos e a imaginação voavam por todos os lugares que, possivelmente, o filho freqüentava.

O fato se repetiu por três vezes consecutivas em um mês. Já estava acontecendo semanalmente. Passou a ser dia sim, dia não. A mãe cansada, desorientada, sem apoio, acabou acostumando-se com a situação, mas não aceitava. Seu coração continuava suspeitar. O tempo ia passando, a dor aumentava e ela não sabia mais o que fazer para segurar o filho em casa. No fundo ainda desconhecia o que estava acontecendo com ele. O rapaz não se abria com a mãe. Não conversava. Nada contava. Vivia isolado. Comia e dormia pouco. Estava emagrecendo, assustadoramente, dia a dia.

Um dia, por mera coincidência, a mãe soube toda verdade, por meio de uma vizinha. Esta lhe contou, sob juramento de sigilo, que percebeu pessoas estranhas vindo buscar e trazer o rapaz em casa e no trabalho. Pelo menos três vezes, foram pessoas importantes e, até autoridades da cidade, que o trouxeram. Estranho é que o deixavam e o apanhavam sempre num esquina, mais distante da casa, como querendo esconder o fasto.

Como toda mãe, ela também, não acreditou muito nessa história. Deixou o tempo passar, com a esperança boba, como é costume da maioria dos pais em relação aos filhos, de que tudo, um dia volta ao normal. Não demorou muito para acontecer o pior. Amanhecia o dia, a mãe acordou com uma movimentação estranha em frente a casa. Correu para a rua e ouviu de populares que fora encontrado o corpo de um moço, propositadamente, deixado ali.

A mulher, quase sem forças nas pernas pela emoção do momento, mas tomada de uma coragem inexplicável, pela necessidade de ter certeza sobre sua dúvida, agiu motivada pela força da mente, adquiriu a energia necessária e correu, a pé, para o Instituto Médico Legal sem perceber nenhum obstáculo, inclusive que se encontrava em trajes de dormir. E, para sua surpresa e desespero, constatou ser, de fato, o próprio filho. Era tarde, havia sido assassinado por traficantes. Todas as noites, ao raiar da aurora ou a ocaso, do dia ou da vida, milhares de jovens e famílias morrem pelo falso brilho e fascínio das drogas que provocam a falsa e criminosa sensação de bem estar e coragem.

Tomada de profundo remorso aquela mãe, somente teve forças para dizer, "eu ajudei matar meu filho, quando não quis enxergar e não fui dura com ele. Perdi meu filho, como muitas mães estão perdendo, também, os seus neste exato momento". E as lágrimas não lhe permitiram falar mais, até o dia de sua morte prematura, alguns meses depois.

Amani Spachinski de Oliveira

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