Em meio ao silêncio, soaram uma leves pancadinhas
na porta...
Tão suaves eram, que pensei serem engano
dos meus ouvidos.
Levantei a cabeça do caderno em que escrevia,
e :
Toc-toc-toc de novo!
Levantei-me e fui ver. Espreitando pelo olho
de vidro da porta: Nada!
Toc-toc-toc As pancadinhas soavam baixinho,
mesmo do outro lado da madeira, que coisa!
Abri a porta, curiosa.
Vi uma menina, de vestidinho cor-de-rosa, fora
de moda, como os da minha infância: Franzido na cintura, manguinhas
curtas de balão, um grande laço atrás.
Cabelo cortado a direito, olhinhos castanhos
enormes, líquidos de inteligência e vivacidade.
Sorri.
Ela sorriu também e foi como de se tivesse
derramado entre nós um perfume de alfazema!
Sem ter de lhe perguntar, já ela ia respondendo
num gesto: estendeu os braços, segurando nas mãos ambas um
cesto de vime redondo, com tampa.
Dás-me um Euro se te mostrar o
que tem dentro? Murmurou.
Claro que dou, disse eu! E uma fatia
de bolo!
E uma laranja fresquinha, tens?
Tenho sim! Posso arranjar um lanchezinho
e arrumá-lo no teu cesto.
Não! Não podes!
Porque não posso?
O cesto está ocupado, não
te disse antes? Só o abro se me deres um Euro!
Pronto, pronto! Disse eu. E ia voltando
costas, a caminho da cozinha...
Ei! Disse a menina, antes que eu sumisse
e o Euro?
Já te dou; vou à cozinha.
Entra, se quiseres!
Não quero. Quero um Euro e uma
laranja fresquinha. Depois, muito baixinho:
E a fatia de bolo. Cheira tão
bem! Fizeste-o agora mesmo, não foi?
Foi! Tirei-o agora mesmo do forno.
Então dás-me duas fatias?
Tens muita fome? Queres um copo e leite?
Não. Leite com laranja azeda,
não sabes? Só quero o que combinámos.
Ai, ai, que teimosa me saíste!
Vou procurar a moeda. Primeiro a moeda ou o lanche?
Primeiro a moeda! Afirmou, quase arrogante.
Porquê primeiro a moeda?
Porque estraga mais depressa.
Estraga-se mais depressa do que a laranja
e o bolo? Estranhei. Como me explicas tu isso?
Ah, eu explico: é que daqui a
pouco já quase nada se compra com um Euro.
E que vais tu comprar com o Euro?
Não sei. Vou dá-lo à
minha mãe, que está sempre a dizer isto ao meu pai.
E o meu pai discute com a minha mãe. Por
isso tenho pressa. Preciso muito do Euro!
Dei-lhe a moeda. Abriu o cestinho. Dentro, um
dragãozinho de plástico verde e amarelo.
Arregalei os olhos, pasmados.
Ela levantou o brinquedo e juntou a nova moeda
a outras que estavam no fundo.
Fechou cuidadosamente o cesto e disse séria:
Sabes? Assim o meu dragãozinho
faz magia.
Pois faz concordei! Se pedires um Euro
a cada pessoa...
Vês, como percebes? Já não
era sem tempo... ufa!
E porquê a laranjinha fresca?
Para a minha mãe, que espera um
bebé e precisa de vitamina.
... Fui para a cozinha, estendi um pano na bancada,
assentei um prato no meio e arrumei nele bolo, fruta, pacotinhos de sumo.
Atei as pontas em cruz, como vira tantas vezes a minha mãe fazer,
que nunca deixava um pobre sem um prato de comida.
Tinha-me esquecido da força da solidariedade
silenciosa, no deserto de cimento onde berram de todos os lados: Compre!
Compre! Compre!
E nos agridem a cada instante com preços,
com cotações, promoções, anúncios de
bens supérfluos.
Nos assustam e envenenam com apelos ao consumo
desenfreado.
No oposto, a suavidade de um toc-toc-toc na
porta.
Uma menina com vestido cor-de-rosa e um dragãozinho
de plástico que faz magia pelo modesto preço de um Euro.
A inteligência ensinando a todos o modo
sublime de contribuir para a paz.
Maria Petronilho