São Cosme e São Damião
Hoje é vinte e sete de setembro, dia de Cosme e Damião, os santos gêmeos e minha mãe dizia e tinha sido Filha de Maria, que havia um terceiro gêmeo, que se chamaria, se a memória não me falha, Doum. Sincretismo fora, os dois gêmeos são considerados os santos protetores dos médicos e esta categoria profissional está tão desprotegida, em nosso País, que precisaria de trigêmeos e talvez até de Todos os Santos para protegê-la. E eu, ainda que médico e de outros tempos, onde os médicos viviam melhor e os pacientes mais bem atendidos, não gosto da data, ainda que simpatize com os dois santos e seja ligado em doces. Mas a tradição manda dar doces às crianças em homenagem aos santos gêmeos e, pelo menos, no meu bairro, o Grajaú e adjacências, o costume é mantido e muitas promessas são retribuídas com a distribuição de doces, em saquinhos evocativos aos santos. E as crianças do morro descem para o asfalto e hordas de mães e crianças enchem as ruas, emprestando-lhes um alarido diferente. Lembro-me que muito corri por estas ruas, eu e outros meninos da classe média, disputando doces com os menos protegidos pela sorte. Que doces gostosos! E, mesmo assim, com estas boas lembranças, invoco com o dia. O desfile de mães pobres com filharada enorme, molambenta, fere-me, não ao senso estético, mas o constatar a total falta de planejamento familiar. A família pobre, que não pode prover a alimentação e a educação de seus filhos, é a que mais filhos tem e o desfile, que vejo, me faz pensar na desassistência, em que vive. É, lamento dizer, um desfile de andrajosos, doentes, carentes, mal educados e mal avisados. Mas este dia possivelmente sirva-lhes de válvula de escape, como o Carnaval e estaria preenchendo uma função lúdica e eu que engula minhas reflexões e críticas e os deixe gozar um dia de barriga cheia, gulodices e brinquedos. Haja diarréias depois e quem sabe desidratações e dispensáveis mortes. Estou sendo mórbido? Possivelmente. Ou a exibição deste bloco de miséria e falta de educação e saúde pode mexer um pouco, com os que tem o dever de ajudá-los? Vã esperança, pois as medidas para as soluções, se empreendidas, trarão resultados demorados, mesmo se a classe política estivesse cumprindo suas funções com devoção. Mas a birra com o dia vinte e sete de setembro é mais prosaica. É perigoso dirigir. Se alguma criança sabe, que há uma distribuição de doces e isto acontece com crianças necessitadas, ou não, dispara pela rua, esquecida de veículos e atropelamentos, para entrar na fila e no empurra, empurra, no me dá, me dá. Depois é sair vibrando, esquecendo-se alguns meninos que suas geladeiras estão bem equipadas e com doces, tão bons quanto os que recebeu. É como criança atrás da bola nas ruas, nos tempos em que criança corria atrás de bola. Com doces é pior até, pois são bandos de crianças. Posto isto minha dificuldade com o vinte e sete de setembro é especialmente motivada pelo medo, pavor, de atropelar uma criança. Dirijo com medo, se possível não dirijo e sirva esta crônica, para passar esta aflição para algum leitor, que, como eu, vive em local onde há morros, há crianças, que, também como eu fiz, correm atrás dos doces e brinquedos, que comemoram o dia dos santos gêmeos Cosme e Damião, que, além de proteger médicos, têm que estar muito alertas, eles e os anjos da guarda, nos vinte e sete de setembro e sem se importarem com outras divagações, levantadas por mim e de passagem. Olho nas ruas, freios atentos, pés mais brandos nos aceleradores. Cuidado! E viva São Cosme e São Damião!