Natal representa vitória do sincretismo

    - O deus persa Mitra nasceu de uma virgem, em 25 de dezembro, foi adorado, assassinado e ressuscitou -

    O Natal é festa por excelência da fraternidade. Povos e pessoas díspares esqueceriam por um momento as suas diferenças e confraternizariam. Olhando-se para as suas origens, verifica-se que essa comunhão ocorre pelo
menos no seu rito, pois resulta da contribuição de diversas épocas e religiões. Ao contrário de ser uma celebração puramente cristã, é resultado da incorporação de muito do paganismo. A começar da sua data. No Brasil, é dia de sol, de praia. E foi como festejo mesmo do sol que nasceu. O deus pagão dos romanos, o Sol Invencível.

    Antes do século IV não se comemorava o Natal, pois não se sabia (como ainda não se sabe) a data precisa do nascimento de Cristo. Depois, convencionaram-se datas para isso, como 6 de janeiro, 25 de março ou 20 de
maio. A adoção do 25 de dezembro foi uma tentativa da Igreja de frear ou mascarar a vocação pagã dos cristãos que continuavam a participar de cultos populares como os do Sol e de Mitra, tão semelhantes em muitos aspectos que acabaram por confundir-se.

    A festa foi instituída pela Igreja para substituir uma que já ocorria na mesma data. O culto a esse deus solar persa Mitra se havia instituído em Roma provavelmente no século I e de tal modo se fez popular que o imperador
Aureliano, em 274 a.C. a declarou religião do Estado. Estava fixada oficialmente o 25 de dezembro como a data da festa do Sol Invictus.

    Historiar o Natal é um pouco tentar compreender como uma religião de escravos se tornou a dominante. Sabe-se que, no seu início, o Cristianismo nada mais era do que uma seita judaica, e que a partir do romano Constantino
é que ganhou o seu grande impulso. Mas não se deve ir ao exagero costumeiro de supor que ele foi o grande patrono do Cristianismo.

    Conta a lenda que antes da sua luta contra Majêncio, seu rival no trono, Constantino (que reinou de 312 a 337) teria visto no céu uma cruz com a inscrição "com este sinal vencerás" e que, ao vencer, teria ordenado aos
seus soldados que pusessem em seus escudos as duas letras gregas chi e rho (as duas primeiras de Christos). (Na verdade, esse monograma era já conhecido e usado dois séculos e meio antes, em Pompéia). Uma leitura menos romântica do epísódio ensina que o que ele viu no céu foi o signo do sol (O sol invictus, invencível), pois havia sido iniciado no seu culto pouco antes, e, depois da batalha, no arco triunfal se diz que ele agradece a sua vitória ao deus Sol, e a não a Jesus.

    Sabe-se que a sua conversão só se deu na hora da morte em 337. A famosa "doação de Constantino, que conferiria aos papas poderes seculares como o seu, inclusive de nomear reis a história provou que foi uma falsificação da igreja para obter privilégios.

    O concilio de Nicea, de 325, é data chave do Cristianismo. Serviu para que as diversas facções sanassem as suas diferenças. Venceu aquele ramo do Cristianismo que defende o dogma da divindade de Jesus e define Roma como o centro oficial da ortodoxia. Também nesse concílio passou a ser proibida a participação de cristãos em festas pagãs, excetuando-se as que tivessem sido reconvertidas e adaptadas pela Igreja. Entre elas, a do deus Sol Invictus.

    O culto ao Sol Invictus era de origem síria e foi adotada pelo imperador Aureliano em 274. Basicamente, monoteísta e sincrético. Num edito de 321, Constantino declarou que os tribunais deveriam estar fechados no dia do Sol (o domingo, sunday) (até então era o sábado o dia sagrado dos cristãos). Santo Agostinho defendeu o 25 de dezembro dizendo que nele os cristãos festejavam não o Sol, mas o criador do sol.

    Também o halo ou auréola que se vêem sobre a cabeça dos santos vem desse deus. E o mais importante, o Sol também deu aos cristãos o seu dia, pois até o século IV o nascimento de Cristo era festejado no dia 6 de janeiro (e
assim continua sendo na igreja armênia). Originalmente, o 25 de dezembro era Dies Natalis Solis Invicti.

    Paralelamente a esse culto, havia outro, também pagão, de Mitra, de origem indo-iraniana, de predileção especial dos soldados (além de divindade do Sol, era também das batalhas). A menção mais antiga a ele remonta a 14 séculos antes de Cristo, na Ásia Menor. Propiciava aos seus crentes a chuva e a fertilidade, garantia o caráter sagrado dos contratos e protegia o gado. Nas suas celebrações, havia banquetes coletivos.

   Os devotos de Mitra se chamavam de irmãos, acreditavam na salvação universal, faziam uso do batismo, sacralizavam pão, água e vinho, adotavam o domingo como dia santo, criam no juízo final e na ressurreição. A sua
iconografia também guarda semelhanças com a dos cristãos, pois fazia nascido entre pastores e promovia milagres como a ressurreição dos mortos. De tal maneira se tornou popular que o filósofo Ernest Renan chegou a afirmar que, se por algum acaso, o Cristianismo tivesse sido freado em sua expansão, o Mundo ocidental seria mitraísta. De certa maneira, segue sendo, por suas semelhanças e assimilações e vocação para o sincretismo e ecumenismo.

    O mérito de Constantino foi ver o que havia de comum a esses três cultos (do Sol, de Mitra, de Jesus) e fundi-los. De um lado de Roma, mandava fazer uma igreja, e em outro erguia estátua a uma deusa pagã. O sincretismo venceu e o papa Liberio decretou em 354 o 25 de dezembro como dia de Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Mário Hélio

Fonte: Diário de Pernambuco, 25/12/2001
Enviado por: Márcia Maia