MULHER QUE SE DESVANECE

... tudo acontecia no vai e vem das águas...

Qual seu destino? Em um toque mágico seus cabelos esverdeados espalham-se pelas águas da reentrância do rio, casa do boto. A noite estava bela. De costas, solta, seguia os influxos do rio. Abandonou-se. Seu vestido translúcido movia-se naquele vai-e-vem.

Por sua mente dolorida, em instantâneos, pedaços de vida e devaneios de moça em flor.

Sua vida amaldiçoada pela aldeia - gostava de seguir seus desejos, os mais impossíveis. Ela sabia que na Terra não seria possível ser feliz. Seu destino era outro.

Eram suas as estrelas, com certeza; e eternas, as nuvens desenhavam segredos absurdos. Só ela os decifrava. Seu espírito era então decodificado em triste epopéia – Seu deus era Pan.

A Natureza agora refletia o impossível: a estranha estrela brilhante e avermelhada que se tornara visível após sessenta anos.

Ela a apreciara de sua janela, quando ainda tinha a forma humana. Era seu destino entender os Céus.

Sabia que era diferente, assim como sua vida. Não temia.

Conhecia que o amar para ela era eterno, nada terreno, ela o sentia. Confusamente tudo lhe era revelado. Ela aceitava simplesmente.

E naquele crepúsculo, o retorno das andorinhas... quando o céu aflorado pela cor de sangue, ela teve que imergir no rio. Não olhou para trás, pois seu olhar intenso decifrava pormenores. E ela já os conhecia. E seus cabelos longos foram cada vez mais se espalhando, como algas, e seu corpo se desfazendo. Seus olhos voltados para o alto, numa infindável esperança. Sua mente se diluindo, desmanchada como papel molhado. E ela finalmente encontrou seu destino. Ela se desvaneceu e subiu em suspiro.

Cármen Rocha