O Primeiro beijo
O meu primeiro beijo foi obra e graça da Gabriela. Ela foi a grande responsável pela conquista. Tecnicamente, eu também estava lá, é claro, ou não haveria primeiro beijo comigo. Mas, de fato, inteiro eu não estava. Estava a milhões de anos luz de distância, pererecando feito um meteorito, de alegria, de medo e de ansiedade.
Porque, para valer, o primeiro beijo era um dos maiores mistérios do Universo, para nós, alunos do IV Centenário, da Rua Bom Pastor. A incógnita não era saber o que fazer durante o beijo. Isso a gente sabia, conversava bastante e discorria a respeito com a mesma naturalidade com que versava sobre raiz quadrada. O grande problema era saber onde colocar o nariz.
Quando conto essa história, as mulheres riem. Riem porque nunca foram meninos. O nariz, meu Deus, onde colocar o nariz? Devo confessar que, nas teorizações do grupo, imaginava-se o beijo (com nariz) como a entrada de um astronauta na cápsula da Gemini I. Isso porque ninguém tinha coragem de perguntar aos meninos mais velhos como funcionava, para não virar motivo de gozação pelos próximos milênios. O negócio era advinhar.
Mas as mulheres desconsideram esses momentos solenes e a Gabriela não poderia ser diferente. Nem deu chance para estudos de campo a respeito do assunto. A noite morna de brisa leve e céu estrelado, à beira-mar, foi cenário espetacular para o maior susto da minha vida. Ela veio, agarrou meu rosto e, ignorando solenemente meus cálculos espaciais, mandou bala num beijo de boca cheia.
E eu lá, concentrado, naquele pequeno espaço entre Marte e Ilhabela, sentindo que o Sheppard já estava a bordo mas sem saber se punha o capacete ou não, se fazia contagem regressiva ou abria os pára-quedas. Fiquei meio fora de órbita por algumas horas, com aquela expressão embasbacada de quem foi abseduzido por uma marciana gulosa.
Dono de toda essa verve romântica, minha carreira de namorado (naquela época, a gente beijava e virava namorado) durou os dois últimos dias de férias. E como amor de praia não sobe a serra, só voltei a ver a Gaby uma única vez, em São Paulo, para saber que não a beijaria nunca mais. Perdê-la no entanto , acabou não sendo o problema. Doeu, é claro, afinal, eu havia ganho o título de conquistador naqueles braços. Mas a maior dificuldade foi na volta às aulas.
Cometi o deslize de contar ao André, meu maior amigo de classe, que havia conhecido as estrelas nos lábios da Gabriela . Já no primeiro recreio, fui cercado pelos outros colegas, ansiosos por saber: “e o nariz, onde põe o nariz?”.
Só aí percebi que não sabia explicar. E o meu primeiro beijo - que daria diploma de galã e direito a líder da turma -, foi tratado como a mentira mais mal contada da volta das férias. Com direito a gozação de todos os garotos mais velhos da escola, justo o que eu queria evitar.
Maurício Cintrão