Quando criança, em Salvador, lembro-me que, depois de muita espera, o bonde parava no ponto e a turba desordenada avançava para pegar um lugar. Ninguém queria perder aquele bonde porque o outro iria demorar muito a chegar. Com aquela confusão, ouvia-se logo os gritos: “Olha os índios...” Na minha juventude, no Rio de Janeiro dos idos 60, quando se dava uma idéia de fazer alguma coisa que fosse brega, cafona ou o que se pode chamar agora de uma coisa popular, ouvia-se a expressão: “Isso é programa de índio.” Voltando à minha adolescência na Bahia, quando os frades franciscanos, nos domingos, me davam passes para ir ao Cinema Santo Antônio pelo meu bom desempenho nas aulas de catecismo, nas matinés sempre era exibido um filme de mocinhos e índios. Estes últimos no papel permantente de maus, bandidos, desordeiros e foras-da-lei. E assim Hollywood lavou cerebralmente gerações, com seus atores brancos, pintados com mercurocromo para representar os índios peles-vermelhas. Assim minha geração e todas as anteriores e posteriores cresceram e se formaram com a informação que os índios - habitantes das terras americanas ao chegarem os descobridores europeus - eram animais desordeiros, incapazes, silvículas e que não mereciam viver em sociedade. O reflexo de tudo isso pode ser sintetizado em uma simples palavra: Galdino. A veracidade das intenções e do fato selvagem ocorrido há alguns anos no Planalto Central do País não cabe apurar aqui. Recentemente, quando visitando Campo Grande (MS) para realizar uma noite de autógrafos de um de meus livros de poesias, o Jornal de Domingo publicou uma matéria com uma manchete entre escandalosa e sensacionalista: “UM TUPINIQUIM EM NOVA IORQUE”. O interessante é que poucas pessoas sabem que eu sou descendente distante dos Pataxós e no corpo da matéria me rotulavam de tupiniquim/baiano/nova-iorquino. Este fato me inspirou a escrever o poema “Tupiniquim”. Este poema está me dando pano pras mangas... Já foi publicado em jornais e abriu o meu mais recente livro de poesias (Dos Beijos) recém-publicado no Rio de Janeiro pela Blocos Editora. Agora serviu de tema para uma web page (www.di.ufpe.br/~eas/Poesia) para comemorar a passagem do Dia do Índio (dia 19 de abril), dividindo espaço com dois monstros sagrados: Caetano Veloso e Gonçalves de Magalhães, o Visconde de Araguaia. Muito me honram as companhias. Contudo, o que mais me fascina é o retorno do interesse da juventude em falar sobre os índios de uma maneira inocente, romântica e, às vezes, até idílica. Passados cinqüenta anos do Holocausto e vendo a História se repetir hoje em Kosovo com a tentativa de eliminar determinados povos da face da terra, eu me pergunto: não está na hora de repensar, revisitar e discutir a questão do índio?
Fernando Tanajura Menezes
Publicado no Brazilian Time - Boston-MA/USA 19/04/99
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