Ainda Casa Grande e Senzala

O que é preciso para tornar um ser humano escravo?
Tome uma criança, uma vida sem rumo ou uma alma ingênua. Mantenha-a na ignorância do mundo. Crie regras rígidas, punidas com violência física ou psicológica. Destrua qualquer vestígio de dignidade ou autonomia mental, incentive a promiscuidade, rompa vínculos familiares ou transforme-os em mecanismo de controle: numa ameaça!
Dê-lhe apenas o necessário para matar a fome e a sede; e, mesmo assim, só quando estas já forem tantas, que seu ato seja considerado como uma demonstração de generosidade. Ela já estará acreditando que sua vida depende de você.
Acostume-se a estender a mão para ser beijada. Exija que baixem os olhos diante de sua presença.
Escolha um dentre os submissos, de preferência o de pior índole, para ser seu “capataz” ou “capitão-do-mato”. Dê-lhe alguma regalia e ascendência, e faça com que ele seja o instrumento físico de sua crueldade e falta de humanismo. Mande-o bater! Deixe que bata! E depois surja como um bálsamo.
Manipule os cordéis, mas mantenha-se à distância.
Use a religiosidade a seu favor. Deixe acreditarem que existe uma vida melhor e que o sofrimento é o caminho para ela... Mas não nessa existência! Doutrine para que creiam existir pessoas que nasceram para mandar e outras para obedecer, e que isso é natural e imutável, desde a origem dos tempos.
Eduque seus filhos para serem piores que você, encarando a escravidão como parte de sua herança. Encham-nos de preconceitos e mimos. Façam com que eles acreditem que existem seres inferiores aos seus cães e cavalos de estimação, e que as filhas da escravidão também são escravas de seu prazer, sem culpa nem compaixão. Acobertem seus excessos.
Compre o “respeito” e o silêncio das elites. Lave as mãos com viagens e festas. Cultive a vaidade, para si, e a insensibilidade, para com o semelhante. Construa templos para expiar seus pecados. Glorifique Deus, com palavras, mas sirva às trevas, com seus pensamentos e atos. Acredite que o sangue de Cristo o libertará, mesmo vivendo imerso no sangue de inocentes. Creia fazer jus a vida eterna, apesar de limitar a vida de seres humanos. Sonhe com um túmulo majestoso. Esqueça as centenas de covas rasas, em local desconhecido, pelas quais deve ter sido responsável.
Pensaram que isso havia acabado em 13 de maio de 1888, mas não! Isso nunca acabará enquanto existirem bestas humanas, nos campos e nas cidades, que insistam em tratar outros seres humanos, de todas as raças: patrícios ou imigrantes ilegais, como animais de um rebanho pessoal.
Enquanto houver senhores feudais, no campo; empresários sem escrúpulos, nas cidades; cafetões, em qualquer lugar; e a sociedade tolerando-os e cortejando-os, a escravidão continuará sendo uma sombra, uma vergonha, um absurdo e um imperdoável crime contra a Humanidade!
São vidas de pessoas que estão sendo desviadas, consumidas e destruídas! São condenações, sumárias e sem juízo, por toda a vida!
É tudo de ruim!
Como qualificar e punir quem pratica ou justifica a escravidão, em pleno Século XXI? Com a milenar Lei de Talião?
Não! Isso seria justificá-los, transformando-os em vítimas e rebaixando-nos a um nível ainda pior. A Humanidade evolui quando supera essas práticas!
Que tal condená-los a viver de um trabalho honesto, tendo apenas o que merecerem? Quem sabe...
Enquanto isso, que Deus tenha piedade de seus atos e de nossas omissões.

Adilson Luiz Gonçalves