Relativamente aos santos, em geral, existe a crença de que estes caminham suspensos, e os seus passos são tão firmes e seguros como se andassem sobre a própria terra. Diz-se igualmente, que a terra não consome os cadáveres dos santos e bem-aventurados, ela conserva intactos os seus corpos e deles desprende-se um aroma suave e agradabilíssimo, que transporta a místicos pensamentos, e picando-se-lhes com uma agulha, deitam sangue.
No Ceará, diz-se que quando os pais negam pedido a uma filha, esta trata de virar os registros dos santos de cabeça para baixo, obtendo logo tudo o que almeja.
Ainda, no mesmo estado, afirma-se que beijar registro de santo que marca o livro e esfregá-lo no lugar da lição faz aprendê-la depressa.
Cada santo ou santa, tem a sua missão especial e assim é que o milagroso Santo Antônio, o bondoso franciscano lisboeta é sofredor das maiores injúrias: quando os seus adeptos não estão satisfeitos com ele, põem-no a cozinhar feijão, para receber qualquer consulta amorosa no dia seguinte (São Paulo); para se achar qualquer objeto perdido, se usa de um responso ao mesmo.
De suma importância é este santo para as moças que pretendem se casar. Ele é o santo casamenteiro o "amarrador" dos moços.
Aqui em São Paulo, as moças fazem-lhe promessas; se não são atendidas, o pobre Santo Antônio é inapelavelmente amarrado, moído e transformado em pílulas. Deita-se-o também, no poço ou cisterna, com a cabeça para baixo, fecham-no no fundo de um baú ou canastra (no Ceará), roubam-lhe o menino Jesus das mãos e só devolvem-no, em segredo, quando "amarrarem" o noivo. Enforcam-no, e no estado do Rio de Janeiro afogam-no em um copo de água, em Pernambuco pregam-lhe, com cera, sobre a tonsura, uma moeda, enfim, sujeitam-no a todas as espécies de torturas, dignas do tempo da maquiavélica inquisição, unicamente com o fito especial de se verem casadas com os seus afeiçoados.
Na terra natal de tantos varões paulistas ilustres, na gloriosa Campinas, uma moça de conhecida família — fato ocorrido há muitos anos — provavelmente cansada de pedir, de implorar ao bondoso santo que lhe ajudasse na aquisição do predileto, também moço, pouco tempo depois, falecido, filho, igualmente, de distinta família, conhecidíssima como tribuno, enfiou no oco do santo uma reza, pedindo breve enlace matrimonial, reza que ali ficou esquecida. Consta que, retirando-se a família da cidade para outro lugar, e mandando pôr seus haveres em leilão, o santo foi arrematado por pessoa mui pouco escrupulosa que divulgou o fato, depois de achar a reza no lugar impróprio. O querido Santo Antônio vingou-se, pois esta mesma moça casou-se com rapaz muito mais moço que ela! Se ainda acredita na eficácia do grande santo, duvido.
As preces que são dirigidas a este milagroso e paciente santo são muitas, e entre as melhores, a de melhor efeito, é a seguinte muito conhecida:
Santo Antônio, Santo Antônio!
Oh! domador das feras!
Oh! Santa Roma deserta!
Oh! grande Santo Antônio,
Camarada de Jesus Cristo
Fradinho dos mais pobres
Humilde religioso
Em Lisboa ensinado
Na Santa Fé batizado
E em Pádua sepultado
Pelas almas de vossa mãe,
De vosso querido pai
E de vossa tia e madrinha;
Pelo hábito que vestistes
Pelos cordões que cingistes,
Pela coroa que abristes
Pelas missas que dissestes
Pela hóstia que consagrastes
Pelo breviário que buscastes,
Pela alegria que tivestes
Quando o Senhor Bom Jesus
Nos vossos braços pousou
E santa morada fez;
Pelas ondas que passastes
Quando fostes a salvar
Da morte o nosso pai
Fernão Martins de Bulhões
Internado em Lisboa
Vos peço não sossegueis,
Repousastes, descansastes.
Enquanto não o livrastes,
De tão injusta sentença;
Pois, agora a vós, meu santo,
Vos peço não descanseis
Vos peço não repousais
Vos peço não descanseis
Enquanto não fizerdes
O que com fé eu vos peço.
Em Pernambuco existe também, o Rosário de Santo Antônio concebido nos seguintes termos:
"Perdoai Santo Antônio dos cativos, vós que sois um amarrador certo, amarrai por vosso amor, quem de mim quer fugir; empenhai o vosso hábito e o vosso santo cordão com alguns fortes e duros grilhões, para que façam impedir os passos de Fulano , que de mim quer fugir, e fazei, oh meu bem-aventurado Santo Antônio, que ele case comigo sem demora".
Também para fazer que chova, afoga-se o santo ou muda-o de lugar no altar.
Ainda no referido estado de Pernambuco é costume dizer que a terra consumiu todo o corpo de Santo Antônio, menos a língua.
Aqui, entre nós, este milagroso santo recebeu as honras de soldado foi, pouco a pouco, subindo de posto, até chegar ao de tenente-coronel.
A título de curiosidade, seja-me permitido transcrever algo sobre este assunto abordado por alguns dos nossos mais lidos diários.
O jornal O Estado de São Paulo , em data que não posso precisar, diz o seguinte, na coluna dedicada aos "Jornais do Rio".
" Jornal do Comércio — "A Semana", crônica de C. A. O cronista ocupa-se de Santo Antônio. Descreve-lhe a largos traços a carreira militar, salientando até ao posto de tenente-coronel.
Refere-se à sua ação no Brasil — "onde o amado santo deu provas de sua valentia" — e, aludindo ao Rio, diz:
"Desta excelente cidade não se há queixar o santo. Aqui teve a oportunidade de mostrar o seu valor marcial; aqui viu reconhecida, pelo povo e pelo governo, a sua extraordinária benemerência.
Foi Santo Antônio, como é sabido, que repeliu Duclerc quando este investiu a cidade na pavorosa sexta-feira de 19 de setembro de 1710.
Por ordem do governador Francisco de Castro Morais, foi a imagem do milagroso santo posta sobre a muralha do seu convento. Daí, Santo Antônio assistiu, com o general ao combate e alcançou a vitória.
Esse fato foi reconhecido pela carta régia de 1711, que confirmou o santo no posto de capitão. Diz a carta que Santo Antônio, mostrara, nesse conflito "desempenhar bem as obrigações do seu posto". É a verdade oficial.
Mais tarde esta verdade rutilou mais vivamente, na carta em que dom João, príncipe regente, eleva Santo Antônio desta Corte a tenente-coronel de infantaria. Depois de tenente-coronel, alcançou Santo Antônio, sempre por merecimento, a Grã-cruz de Cristo".
E acrescenta:
"Outros Antônios, se posso dizer assim, receberam patentes.
Santo Antônio, de Goiás, foi capitão.
Santo Antônio, de Ouro Preto, alcançou patente e soldo.
Um Santo Antônio da capital da Bahia, que se venera no convento de São Francisco, foi, em 1007, promovido a capitão entretido no forte de Santo Antônio da Barra.
Este, que tenho a fortuna de conhecer e a honra de venerar especialmente, não recebe mais o soldo. Ainda não há muitos anos, o guardião do convento de São Francisco requereu esses atrasos, e viu a sua petição indeferida.
Não sei se é mais feliz Santo Antônio do Rio. A dúvida é natural porque a situação de Santo Antônio muda conforme as localidades.
Aqui é tenente-coronel, na Bahia é capitão. Pode ser que em outros pontos da terra não passe de soldado; (de fato, em Pernambuco era ele soldado raso), sendo seu soldo pago ao convento franscicano de Olinda: e nesse caso será o superior e o subalterno de si mesmo. Uma atrapalhação que só um santo, como ele é, não causará vexames.
Mas, seja qual for a sua patente, aqui ou em Goiás, em Portugal ou na Itália é o grande militar que não conheceu os revezes de Bonaparte, que nasceu como ele, no dia de Nossa Senhora da Glória.
E agora que a questão do soldo de Santo Antônio apareceu novamente nas cogitações do Tesouro, não é mau recordar o que quase todos sabem, mas que alguns podem esquecer: que o glorioso taumaturgo, soldado raso, sargento-mor, alferes, tenente, capitão, tenente-coronel e condecorado, sempre prestou serviços não compensados pelo soldo, patentes e honorários, que nos seus dias de refrega nunca esqueceu aquela encantadora simplicidade que, no dizer de Ernesto Melo, é o característico dos franciscanos."
Rolando de Serigi
Artigo publicado no Jornal Correio Paulistano, 1954, SP
Fonte: http://jangadabrasil.com.br/revista/junho91/pn91006a.asp
Enviado por Camille Cloisi