AMIGOS - SER ou NÃO SER - EIS A QUESTÃO...
Certo domingo à tarde fui surpreendida por um telefonema: “Não vais adivinhar quem está falando... há tempo não conversamos...” De fato, não reconheci mas fiquei contente quando se identificou: uma amiguinha de infância! Quando adolescente, até morara lá em casa, para estudar aqui em Caxias do Sul, onde sua família residira. Nossos pais eram, além de colegas, muito amigos ! Contou-me estar sozinha, após várias experiências sem sucesso, acrescentando a lista de seus não poucos problemas familiares. Com a disponibilidade e o carinho de sempre, destinei-lhe as melhores palavras que encontrei para proporcionar-lhe o possível alívio diante dos fatos, embora não tivesse contado com sua atenção nos meus momentos difíceis.
Nossos contatos duraram pouco e percebi que “minha amiga” lembrara de mim porque buscava alguém que tivesse desgraças maiores que as suas, para consolar-se. Não vibrou com o que eu conseguira reconstruir da minha vida após as dolorosas perdas das pessoas tão amadas, como de meus adorados pais, minha gatinha Meggui e todos os mais queridos familiares e amigos; buscou apenas redescobrir minhas feridas para cobrir as suas. Foi então que AMIGOS e AMIGAS que tive ou tenho inspiraram-me um momento de reflexão. A palavra AMIZADE é, em geral, empregada de maneira leviana, sem o rigoroso critério que o verdadeiro sentimento correspondente mereceria, como se fosse apenas a ausência de inimizade ou malquerença, não a presença de laços e atitudes bem particulares porque enraizados e devidamente nutridos no fundo da alma.
A cada curto período de nossas vidas, mesmo cada dia, estabelecemos contatos com inúmeras pessoas através de também inúmeras razões e manifestações e, sem levar em conta a imensa gama de tonalidades que assumem os relacionamentos, para simplificar as coisas, chamamos todos de amigos.
Onde porém estarão nossos AMIGOS? Como distinguir esta tão bendita quanto restrita classe de criaturas dentro do imenso universo de contatos em que estamos mergulhados, isto é, quem são nossos AMIGOS? É na multiplicidade de circunstâncias existenciais que tais anjos nos proporcionam o encantamento de adivinhá-los, como quem se dá conta de que tem um jasmim no coração ao sentir-lhe, de repente, o incomparável perfume.
Aquele que vibra com nossas vitórias apenas porque as merecíamos, que chora de felicidade porque vivemos nosso momento feliz, que desejara do fundo de suas entranhas, é nosso AMIGO. É ele que vem devolver-nos o sorriso perdido nas sombras das preocupações, buscando-o dentro de nós mesmos, para que novamente desabroche de nossas profundezas e ilumine nossos lábios.
Aquele porém que nos procura na hora do sucesso apenas para ser aplaudido junto ; que vem colher conosco louros de lutas em que não combateu e frutos que não ajudou a plantar, não é nosso AMIGO. Bem ao contrário, utiliza-nos como lanterna que lhe forneça uma réstia de luz, para que possa apresentar ao menos sua silhueta no palco que ao brilho de nosso talento foi erguido.
Aquele que nos abandona nos nossos momentos de miséria, quando nada podemos lhe oferecer senão a chance da caridade de aliviar-nos nossa dor, mas que nos procura para socorrê-lo quando enfrenta obstáculos, sobretudo se nos esquece quando se destaca pela conquista de um objetivo, particularmente se para tal lhe tivermos dispensado nossa colaboração, não é nosso AMIGO. Apenas aproveita-se de nós como instrumentos descartáveis, ao invés de contar conosco como sujeitos com quem realiza sua obra, conseqüentemente dignos de com ele festejar sua conquista.
Aquele que gostaria de ser como somos, ter qualidades e confortos de que desfrutamos, sem prejudicar-nos, é alguém que faz de nós um exemplo: merece nosso respeito e solidariedade.
Todavia, se o pretende a qualquer preço, inclusive causando-nos perdas , é invejoso. Pode agir inconscientemente no entanto, se nossa ingenuidade for excessiva para percebê-lo, é possível que nos tornemos vítimas de sua impiedade, que o levará a destruir o que tivermos construído só para que não sejamos o que ele não consegue ser ou não tenhamos o que ele não consegue ter, pouco importando que tenhamos seguido caminhos justos para chegar onde chegamos. AMIZADE... quantas nuances de relacionamentos se enquadram e quantas se disfarçam sob tão sonora palavra?
AMIGOS - SER ou NÃO SER - EIS A QUESTÃO...
Lia-Rosa Reuse