A ÁRVORE TRISTE

Saio pela trilha de terra; a estrada é meu reino, minha liberdade de menino da cidade pequenina, quase um arraial, incrustada entre montanhas e pedreiras de granito, lisas, arredondadas, enormes, grandiosas! Ah! as pedreiras! Pareciam servir de medida para as dimensões de nossas emoções. Sua enormidade nos acostumava a ser grandes , largos, firmes, rochosos, vigorosos em tudo. Ao olhá-las, víamo-nos. Assim é que aprendíamos o tamanho da vida, dos sentimentos, do amor, da amizade. Aprendíamos, também, que o mundo é verde do viço dos cafezais; e suave como a curva lisa dos morros de capim baixo (vistos ao longe pareciam forrados de tapete); e que este mundo é alegre como o trinado dos pássaros que me acompanham os passos saltitantes na poeira fina do caminho amarelado, de terra e areia; e maravilhoso como o profundo azul do céu claro do dia; e mágico como as estrelas perdidas na imensidão do infinito, a mandar-nos mensagens telegráficas no morse pisca-que-pisca de sua luz, na escuridão misteriosa da noite. Sou dono das ruazinhas que atravesso chispando na minha bicicleta, leve e veloz, da alegria das pessoas que riem e cantam nos quintais, cozinhando e fazendo a faxina, das lavadeiras que, as saias de algodão rústico enroladas pelo meio das pernas, agachadas com os pés dentro da água na margem arenosa do rio manso, águas limpas mas esverdeadas, o pano branco enrolado em turbante nas cabeleiras, os rostos morenos e as mãos alvas de tanta água e sabão, batem e esfregam a roupa enquanto entoam melodias lindas e lamentosas, mas sem tristeza.

Sou a própria vida que vem caminhando do fundo da estrada em minha direção, cheia de futuro.

Lá, bem longe, os paus da cerca correm em paralelo à minha frente e parecem unir-se, ao afinar da estrada, como se fosse o seu fim, ponto que se reabre a cada passo, que não chega nunca!

Mas, bem na curva, há uma árvore grande, muito grande, de galhos e folhas separadas, a copa rala, o tronco retorcido, impressionante ! escura ! sombria ! Oh! árvore ! que presságios escondes! diz -me! por que me arrancas, com a aparência lúgubre, da realidade feliz para o peso de sombras que meu coração não sabe conhecer? Por quê? Tens a magnificência das pedreiras, mas transmites-me apertura ao espírito. Guarde para ti o segredo que não quero ouvir e deixa-me seguir assobiando pela estrada clara ao correr da fresca aragem que me embala os sonhos e as ilusões.

Volta, menino! Não vás, não sigas, não olhes, não vejas!

As expressões de espanto e de tristeza me recomendam não prosseguir. Não consigo atender aos conselhos. Vou. Sei que é a árvore, alguma coisa na árvore que não quero saber- deve ser o seu segredo - mas vou.

Logo, ao olhá-la, paraliso entre aterrorizado e aturdido.

Lá está ele -- como uma sombra encompridada, esguia, pendente como um cristo crucificado, a figura da solidão, da tristeza, dependurada na grossa corda amarrada ao galho alto da árvore do mistério -- o enforcado. Compreenderia ele o quanto levaria do mundo, o quanto carregaria de mim, ao sair da estrada, em sua viagem, para o silêncio da árvore que ficava a sua margem? Não deixou uma carta, um bilhete, um recado, um sinal. Ninguém jamais soube por que jogou sua vida na ponta da corda e deixou-se ficar como um grito de angústia estampado contra a folhagem e os pedaços de céu que rendavam aquela copa, rasgando-a em pedaços, espantando-nos.

Depois do volteio da estrada onde ficava a árvore, alguma coisa parecia estar diferente, agora, tempos - muito tempo - após terem retirado o corpo sinistro do enforcado desconhecido. Havia um quê de inescrutável mais à frente, um certo silêncio, um peso estranho, como se já não se pudesse, tanto, adivinhar o que viria depois das curvas mais distantes, vistas serpenteando ao longe, pelas beiradas dos morros.

Ao avizinhar-me do local, já começo a ver, em minha mente, sempre, a árvore com a figura do enforcado. E ao olhá-la vazia da corda e do corpo inerte, não consigo deixar de vê-lo nela, indelével, permanente, parte perene da árvore à qual prendeu sua vida e sua morte, para onde arrastou, em gemidos, a parte mais recôndita e triste do nosso ser, acumpliciando-nos a sua dor.

Goiano Braga Horta