E o palhaço, o que é?
Lona envelhecida, muitas vezes esburacada, artistas idosos, outros mais jovens,
animais sofridos, fantasias puídas, desbotadas, purpurina colorida, caras pintadas...
E o palhaço, o que é?
É ladrão de mulher?
Nem todos...
Para os adolescentes da cidade de Pequena,
a chegada do circo sempre fora uma festa.
Pelo menos garantidas teriam duas semanas de magia e emoção.
Paixões freqüentes abatiam as mocinhas do lugar. Muitas vezes o circo conseguia levar uma delas, ou por conta de um suposto amor, ou, independente do talento, pelo sonho de artista.
Trapezistas, malabaristas, palhaços eram observados com admiração, porém os pilotos do Globo da Morte tinham a preferência do público feminino.
O ruído ensurdecedor dos motores proporcionava às moças da platéia certo torpor, seguido da euforia que, sem êxito, tentavam disfarçar.
Terminada a apresentação, por breves momentos, os astros ficavam à mercê dos toques das mais afoitas. Constatavam ali que, mesmo de carne e osso, não perdiam o encantamento.
Saltavam do Globo para o chão, arrancavam o capacete e, no afogueamento do rosto, anulavam os resquícios do medo e da tensão. Lindos, quando corados, traziam no sorriso um misto de gratidão e de orgulho.
E foi assim, sem maiores esforços, a não ser o da própria profissão, que Ronan consigo levou a garota mais bonita da cidade.
Quando me lembro da história e sobretudo de seu desfecho, lamento... Penso que o destino da jovem talvez tivesse sido diferente se um circo ou uma moto não atravessasse seu caminho.
De volta à cidade de origem, hoje sobrevive
dos trabalhos pesados com os quais, precariamente, alimenta seus dois meninos.
Um deles é filho de Ronan ; o outro é sobrinho dele.
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Quanto aos motociclistas Ronan e Renan, gêmeos idênticos, estes, entre o giro da morte e os calorosos aplausos, continuam a tirar suspiros das mocinhas desavisadas.
E há quem jure que um dia ainda, durante o espetáculo, repetirão a tragédia de Caim e Abel, autenticando o nome da esfera de metal onde se apresentam.
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Nota: Certo guru, numa ocasião, disse-me que eu deveria procurar minha lenda na infância.
Acreditei em seu dito e fiz mais, busquei-a não só na infância, mas também na adolescência.
Em alguns momentos, chego a pensar que a encontrei.
Maria da Graça Almeida